Por Vicente Merlo
“O oceano planetário de emoções e pensamentos é de responsabilidade de cada um. Minha mente e meu coração são centros receptivos, mas também emissores, de diferentes tipos de energias, não invisíveis, e nem menos efetivas, que colaboram, positiva ou negativamente, na saúde planetária, no estado do planeta, da sua noosfera.”
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“E, por que não, esperar uma vez mais que os verdadeiros "sábios", os autênticos professores luminosos movidos pelo amor altruísta compassivo também ocupem posições políticas importantes, de modo que o rápido comboio da humanidade, que corre sem saber para onde está indo, possa ser redirecionado e as questões fundamentais e urgentes da paz, justiça, liberdade e igualdade façam parte desta nova era em que estamos ingressando.”
Vicente Merlo
Vicente Merlo é PhD em Filosofia e membro fundador da Associação Transpessoal Espanhola, bem como fundador e professor do Mestrado em História das Religiões da Universidade de Barcelona. É ele quem assina o décimo sexto capítulo - Metapolítica y Supramentalidad - do livro Espiritualidad y Política, coletânea organizada por Cristóbal Cervantes e publicada pela Editorial Kairós, de Barcelona, do qual disponibilizamos um excerto no final da postagem.
De acordo com Merlo, vivemos em um momento planetário crítico, devido a uma mudança de ciclo em diferentes níveis, em que é necessário repensar, não apenas a relação entre espiritualidade e política, mas também a natureza e o significado de cada uma dessas duas dimensões de ser humano.
E, como acontece em todos os fins de ciclo, é um momento de síntese, de passar para outra "história" que não é mais de tribos, estados ou países egoisticamente soberanos, mas da história da humanidade, uma história planetária; uma história de unidade sem excluir a diversidade.
Pergunta qual a espiritualidade que precisamos, a partir da diferença entre religião e espiritualidade, e sugere, em resposta, a espiritualidade planetária, criativa e deleitante e, finalmente, a espiritualidade transreligiosa, que não renuncia ao rico passado religioso, mas não se limita a ele.
Analisa a possível união desta espiritualidade com a política, reconhecendo a sua dificuldade, uma vez que, se aquela se relaciona especialmente com os arquétipos do amor e da luz, esta, a política, se relaciona, em primeiro lugar, com os arquétipos do conflito e do poder.
Desta forma chega, portanto, na metapolítica e transpolítica, detendo-se no exemplo de Aurobindo Ghose, cuja o ápice de sua vida e obra é a manifestação da consciência-energia supramental, o momento evolutivo em que da mente pode surgir a supra-mente, a consciência além do mental. (1)
A seguir, um excerto do referido capítulo onde vamos encontrar uma descrição alternativa para uma ação política mais ampla, cuja a atuação se passa nos bastidores da vida, nos planos mais sutis da natureza, além da matéria - nos planos ditos espirituais - ou mais acertadamente, além do véu da matéria mais densa.
Portanto, podemos falar de espiritualidade política - valores espirituais agregados à prática política em nossa sociedade - como também, de política espiritual - a ação política se desenrolando de forma direta e efetiva nos planos sutis da natureza, através das capacidades adquiridas por uma consciência supramental.
Considero esta postagem como complementar à anterior sobre Política Integral.
L.C. Dias
NOTA:
O ESPIRITUAL É POLÍTICO: TRANSFORMANDO A REDE DE INDRA
Porque quando a realidade é vivenciada, ou é concebida como uma "rede de Indra” multidimensional, no qual a ativação de um ponto da rede produz uma mudança, uma transformação em toda a rede, então aceitamos que minha transformação pessoal afeta o todo, que meus pensamentos e minhas emoções afetam o todo, da mesma forma que minha falta de cuidado egoísta em relação à saúde da biosfera prejudica não apenas meu ambiente imediato, mas o planeta como um todo, e minha falta de cuidado egoísta com a saúde da noosfera prejudica todo o planeta.
Isto é, que no cosmos multidimensional em que vivemos, nos movemos e temos nosso ser, o que acontece na minha consciência acontece com a Consciência Planetária, que meus pensamentos e emoções não estão presos nos circuitos neurais do meu cérebro e nos componentes químicos do meu sangue, mas afetam toda a consciência planetária, sendo capazes de poluir não apenas as águas e os ares da biosfera, mas também as emoções e pensamentos da psicosfera e da noosfera. Que existe, portanto, também uma "ecologia da mente" que não conhece fronteiras nacionais nem individuais, nem políticas nem psicológicas.
Todos os seres humanos, e todos os seres vivos, mesmo todas as existências minerais, estão realmente interrelacionados, quer saibamos ou não, quer gostemos ou não, é inevitável, porque responde a própria estrutura da realidade. Não é apenas que meus pensamentos e minhas emoções vão produzir minhas ações, mas também que meus pensamentos e minhas emoções vão produzir pensamentos, emoções e ações em todos os terminais individuais que fazem parte dessa consciência planetária única que nós compartilhamos.
O oceano planetário de emoções e pensamentos é de responsabilidade de cada um. Minha mente e meu coração são centros receptivos, mas também emissores, de diferentes tipos de energias, não invisíveis, e nem menos efetivas, que colaboram, positiva ou negativamente, na saúde planetária, no estado do planeta, da sua noosfera.
Nossos campos pessoais de consciência-energia são parte dos campos interpessoais de energia-consciência (alguns pré-pessoais, outros transpessoais), e eu sou responsável pelo que acontece naquele campo de consciência-energia que se comunica constantemente com outros campos de consciência-energia, formando campos de consciência-energia (hólons) cada vez mais amplos, dos quais eu participo consciente ou inconscientemente.
A ação local (emocional, mental ou espiritual) é também, sempre, ação global. O planeta está em nossa consciência, holograficamente, magicamente, espiritualmente.
Agora, uma coisa é a repercussão que não apenas minhas ações físicas e minhas palavras têm nos outros e em meu ambiente, mas também, minhas emoções e pensamentos, mais ou menos automáticos e condicionados, de escasso alcance, de um pequeno raio de ação, embora nada desprezível, e outra coisa é uma "ação transpolítica" realizada deliberadamente, pelo poder de uma mente capaz de alta concentração e lucidez, de um coração treinado em amor compassivo, e acima de tudo de uma alma que administra sabiamente altas energias espirituais capazes de afetar de maneira mais profunda os fundamentos planetários.
Qual significado e como isso se relaciona com Sri Aurobindo?
A AÇÃO DA CONSCIÊNCIA-ENERGIA SUPRAMENTAL
A chave para o apogeu da obra, teórica e prática, de Sri Aurobindo é a manifestação da consciência-energia supramental.
Em sua visão espiritual evolutiva, assim como a vida (seres vivos) surgiu da matéria (entidades inanimadas) e a mente (pensamento, seres humanos) surgiu da vida, agora é o momento evolucionário que da mente poderá surgir a supramente, a consciência supramental (e seres capazes de incorporar essa nova consciência).
Suas exposições teóricas sobre o futuro da evolução humana, sua vida (e de Mirra Alfassa, sua companheira espiritual e co-criadora da yoga integral e supramental) estavam focadas em facilitar a "descida" da dita consciência-energia primeiro às suas personalidades psicológicas e seus corpos, depois ao seu ambiente imediato e finalmente à toda aura planetária, transformando assim a consciência planetária em sua totalidade.
É como se, uma vez estabelecido contato consciente com o plano supramental (algo que Sri Aurobindo afirma já ter sido feito pelos rishis védicos), seja possível ajudar a consciência-energia (cit-shakti) a descer para o plano mental, depois para o plano emocional e vital, e finalmente para o plano físico denso, produzindo em sua esteira uma transformação profunda de cada um desses níveis de realidade (algo que os rishis védicos não tinham sido capazes de fazer, porque a humanidade como um todo ainda não estava preparada para isso). Isso de um modo geral, mas onde queríamos ir é o testemunho oferecido por Sri Aurobindo sobre sua "ação supramental" dirigida aos lugares politicamente conflitivos.
Devemos essa informação principalmente às conversas particulares entre Sri Aurobindo e um pequeno grupo de discípulos, por ocasião de uma fratura que ele sofreu em uma de suas pernas. Nas conversas com Sri Aurobindo, vemos como sua preocupação política ainda está muito viva, mantendo-se a par dos eventos políticos mais relevantes, em seu país e além. E não só isso, mas agindo sobre eles. Como?
Direcionando sua atenção, sua consciência concentrada, sua energia supramental para esses lugares, às vezes focando em pessoas específicas (basta dizer que mesmo a Espanha no meio da Guerra Civil foi mantida na consciência de Si Aurobindo que mencionou o General Miaja como alguém que era um pouco mais sensível à influência da consciência-energia supramental).
Um caso proeminente é o de Hitler e o nazismo. Sri Aurobindo não hesitou em ver desde o início que era uma séria ameaça à humanidade, e apesar de sua oposição à política britânica na Índia, ele não hesitou em declarar publicamente que o destino da humanidade estava em jogo se o nazismo continuasse com suas conquistas, invasões e crueldades. Não só isso, mas ele mesmo colaborou economicamente com os Aliados, convencido de que, apesar das possíveis críticas às suas políticas, era absolutamente necessário que as forças das trevas que agitavam atrás do nazismo fossem derrotadas.
O que nós sugerimos é que esta maneira de agir “transpoliticamente" não é uma originalidade de Sri Aurobindo, mas é uma maneira frequente de influenciar os assuntos mundiais por parte daqueles que têm uma visão mais profunda da realidade multidimensional do mundo no qual nos movemos, chamadas em algumas apresentações como "mestres de sabedoria e compaixão".
Outro exemplo desse ato "metapolítico" pode ser visto no trabalho de A. Bailey, especialmente na externalização da hierarquia, coincidindo, além disso, em grande medida, com a análise do nacional-socialismo alemão que delineamos no caso de Sri Aurobindo.
Pode ser difícil aceitarmos não apenas que tal trabalho é possível, direcionando a consciência-energia supramental para lugares, situações e pessoas; enviando energia mental ou espiritual para países ou conflitos específicos, mas também que o desenvolvimento espiritual de algumas pessoas permite que isso aconteça com um grau de eficiência, com um poder muito maior do que estamos acostumados ou imaginamos.
Voltamos aqui para a imagem de uma rede, mas agora gostaríamos de representar essa rede multidimensional de forma piramidal e sugerir que existem níveis muito diferentes de desenvolvimento espiritual, de despertar, de luminosidade animista entre os seres humanos, e que a intensidade luminosa das almas que se encontram nos segmentos mais altos da pirâmide evolutiva irradiam um poder transformador tal que sua "ação à distância" (a distância nos planos superiores não opera como no plano físico-material) pode ser verificada com precisão e efetividade pelo que hoje é chamado "visão remota", porém, neste sentido, ainda continuamos achando tudo isso inimaginável.
Uma atividade análoga que nos permite compreender melhor o tipo de "participação transpolítica" a que me refiro é a “oração dos santos" - para usar uma linguagem religiosa e mais tradicional. Naturalmente, aqui a oração é vista como um processo comunicativo que também mobiliza energias sutis, talvez não menos poderosas que a “meditação dos sábios", onde meditação não significa reflexão e pensamento discursivo, mas acima de tudo concentração focalizada.
Em algumas tradições em que os mantras são levados a sério e praticados regularmente, quando ligados a certos tipos de visualizações e trabalhados como uma "meditação mântrica", podem ser utilizados – além dos seus múltiplos usos - no sentido transpolítico no qual estamos indicando aqui. Um mantra é um "som sagrado", uma "palavra de poder", uma certa frequência vibracional, capaz de produzir efeitos poderosos, não apenas pessoais, mas também "metapolíticos".
Se ao poder do mantra - de certos e muito específicos mantras - nós unirmos a poderosa irradiação de uma alma que está em altos níveis de luminosidade espiritual, então poderemos imaginar que as raízes da existência multidimensional são aquelas que movem os fundamentos da realidade em cuja construção e desenvolvimento nós colaboramos, em maior ou menor grau, para a sua concretização.
Em outras palavras, movendo as raízes da árvore da existência, todos os ramos se movem. O brilho espiritual luminoso de um avatar ou de uma "grande alma" (mahâtma), de um "homem sábio", de um verdadeiro mestre espiritual, de um iniciado, de um ser em um alto nível de iluminação, é tal que, enfocada a sua luz em situações concretas, funciona como um canal através do qual as energias espirituais de alta voltagem podem circular e dirigir os efeitos transformadores que pertencem a uma ordem que não é mais sutil nem menos eficaz, muito pelo contrário, pois a transformação é produzida de dentro, iluminando e transformando primeiro os níveis mais sutis de pessoas ou situações, para depois efetivar as suas manifestações mais externas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O que foi dito acima significa um descuido de circunstâncias econômicas, sociais e políticas concretas? De jeito nenhum. A única coisa que deve ser destacada é que os modos de participação em eventos políticos são múltiplos e que é muito fácil e frequente criticar, sem conhecimento suficiente de causa, aqueles cuja vida externa não denota um compromisso político claro e óbvio.
Escusado será dizer que é absolutamente necessário lutar pelas melhorias concretas da sociedade, agir localmente, mesmo que pensemos globalmente, para participar em espaços públicos, para que a justiça, a liberdade e a igualdade sejam cada vez mais implantadas. Não podemos esquecer que também "o poder é sagrado" e não é possível ignorar as questões de poder nas diferentes áreas da existência, incluindo a política. Mas queríamos mostrar que a participação política ocorre de muitas formas e nem sempre as mais visíveis e externas são as mais eficientes e profundas.
Precisamente da clara compreensão de que todos os planos da existência estão intimamente relacionados e que na grande rede ontológica de que formamos parte qualquer ação pode ativar as redes neurais do cérebro de Gaia, pondo em funcionamento o holograma geral da consciência planetária e isso influencia todos os campos, portanto, os nossos julgamentos sobre participação e efetividade política têm que ser mais cautelosos.
Trabalhadores de luz amorosa e compassiva são necessários em todas as esferas da existência, e precisamente a política é uma das mais necessitadas, porque justamente o terreno da política foi frequentemente desacreditado e separado da espiritualidade. Portanto, é urgente integrar preocupação e ação na política, metapolítica, transpolítica, numa concepção genuinamente espiritual e integral da existência. E, por que não, esperar uma vez mais que os verdadeiros "sábios", os autênticos professores luminosos movidos pelo amor altruísta compassivo também ocupem posições políticas importantes, de modo que o rápido comboio da humanidade, que corre sem saber para onde está indo, possa ser redirecionado e as questões fundamentais e urgentes da paz, justiça, liberdade e igualdade façam parte desta nova era em que estamos ingressando.
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