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Um outro mundo é possível: Metanoia pessoal e coletiva como solução para a crise espiritual planetária

Por L.C. Dias

“Se você assume que não existe esperança, então você garante que não haverá esperança. Se você assume que existe um instinto em direção à liberdade, então existem oportunidades de mudar as coisas.”
Noam Chomsky

"No âmbito do interpessoal, no domínio de como você e eu nos relacionamos como seres sociais, não existem áreas mais importantes do que a espiritualidade e a política."
Ken Wilber

"A política é o único poder disponível para aqueles que não têm poder."
Daniel Innerarity

"Sejas tu a transformação que queres ver no mundo."
Mahatma Gandhi

Metanoia é um termo transliterado do grego antigo que no contexto do cristianismo primitivo significava mudança da mente ou transformação interior, ou seja, um processo de mudança na maneira de pensar e dos estados mentais inábeis, visando atingir um novo nível de consciência e, consequentemente, uma nova forma de viver no mundo. Portanto, metanoia é um movimento pessoal e coletivo de ir além (meta) das ideias e pensamentos (nous) estabelecidos.

Neste momento, a nossa visão de mundo está sendo questionada de forma direta e insofismável pela crise planetária que estamos enfrentando em todas as áreas e dimensões da esfera humana. Estamos sendo convocados pela “vida” para um testemunho coletivo sem precedentes. Toda crise, seja pessoal ou coletiva, é um sinal de alerta para uma situação dissonante e estagnada que exige a nossa ação responsável e criativa para a sua plena resolução. 

Crise provocada pela nossa ignorância sobre a verdadeira natureza do eu e dos fenômenos, como vem afirmando reiteradamente a tradição budista nestes últimos 2500 anos. Ignorância conhecida por muitos como a ilusão da separatividade, a nossa percepção equivocada de estarmos separados das demais coisas do universo, como também, uma preocupação excessiva pelo ganho pessoal em detrimento do bem comum. 

Portanto, considero que somente através de uma transformação radical da consciência pessoal e da mentalidade coletiva é que será possível solucionar a atual crise espiritual planetária na qual estamos imersos.

Como bem dizia Einstein:
O pensamento que criou o problema não pode ser o mesmo que o solucionará.
Tal transformação deverá passar necessariamente por uma revisão daquilo que atualmente compreendemos como espiritual e político, dois termos degradados pela modernidade, mas que precisam ser resignificados etimologicamente. 

A espiritualidade e a política são aspectos complementares da vida humana, abrangem o interno e o externo, o pessoal e o coletivo, o privado e o público, o indivíduo e a sociedade. Trata-se de combinar a espiritualidade, a arte de viver, com a política, a arte de viver juntos. Esta combinação não pode ser negligenciada sem que corramos o risco de sustentar uma visão unilateral e limitada da realidade, com graves consequências para a nossa qualidade de vida pessoal e planetária. 

A espiritualidade envolve o resgate da dimensão essencial do nosso ser, a nossa identidade suprema, o sentimento profundo da nossa origem e destinação divinas, a recuperação da nossa sacralidade; promove a percepção direta da nossa unidade com todas as formas de vida e com as diversas esferas da realidade; permite o reconhecimento da impermanência e interdependência de tudo o que existe; desperta uma postura de respeito e humildade frente ao inefável; provoca o prazer inebriante, delicioso e encantador para com o silêncio que a tudo revela; invoca o assombro e a admiração com os mistérios mais recônditos da existência. 

A espiritualidade pode ser regatada através da adoção de uma ou várias das práticas religiosas tradicionais disponíveis, como por exemplo a meditação, a plena atenção, o yoga, a observância ética, a contemplação, o jejum, a oração, o serviço altruísta, ou tantas outras ferramentas disponíveis para o despertar da consciência superior, adaptadas ao nosso contexto existencial e as nossas idiossincrasias, associadas, se possível, com um trabalho psicoterapêutico sério, pois, enquanto não tivermos a iniciativa de trabalhar de forma deliberada e consciente com a nossa natureza egóica, o caminho para o espiritual não se abre com facilidade. 

Neste ponto vale ressaltar que uma genuína metanoia pessoal e planetária exigirá a confrontação direta e franca com os aspectos inconscientes mais sombrios da nossa psique pessoal e coletiva para que seja possível que o processo de transformação ocorra de forma efetiva e plena, sem distorções ou manipulações.

Já a política envolve o resgate da mentalidade coletiva da humanidade para a necessidade de priorizar o bem comum em detrimento de privilégios particulares, alicerçada em uma visão espiritual da vida que tenha repercussões éticas significativas nos campos econômico, social e ecológico, atualmente impactados de forma avassaladora pela ação nefasta da globalização neoliberal. 

No terreno da religiosidade e do choque de paradigmas civilizatórios, esta mentalidade pode ser resgatada através do diálogo intercultural, no respeito às diferenças, na compreensão do pluralismo, na abertura à diversidade, na responsabilidade universal do indivíduo pelo coletivo, como também, na constatação que compartilhamos de uma mesma natureza humana e que buscamos todos, igualmente, a paz, a prosperidade e a felicidade, na certeza que esta felicidade pessoal está indissociavelmente atrelada à coletiva, pois a vida individual encontra o seu sentido real, somente, quando inserida em um todo maior.

Para atingir este propósito de conscientização coletiva, é fundamental que se envide todos os esforços necessários para uma reformulação do sistema educacional vigente, que deverá ser reconstruído com base em valores espirituais que estimulem o desenvolvimento do livre pensar, junto a uma postura crítica que esteja amparada pela inteligência do coração.

Portanto, a espiritualização da política envolve a conscientização das pessoas sobre a responsabilidade que possuem perante a totalidade da vida. Aliás, gosto sempre de lembrar a importância da dimensão política, principalmente, em virtude do estado atual de descrença em relação ao político em nossa cultura. Ratifico o alerta de Emma Martínez Ocaña:
O grande perigo de nosso momento histórico é cair na armadilha de acreditar que é possível dispensar a política, com os políticos de ofício, pois, pior do que uma política ruim é a ausência dela. É verdade que temos muitos dados para se desencantar com a política, especialmente se a reduzirmos identificando-a somente com a militância de partido ou a ação direta de governar. Josep Ramoneda, no prólogo de um livro interessante de Daniel Innerarity ‘A política em tempos de indignação’, expressa com muita precisão: ‘A política é o único poder disponível para aqueles que não têm poder’, portanto, atenção porque também existem instâncias de poder econômico e outros grupos não-democráticos, interessados em denigrar a política e passar o mesmo padrão para toda a classe política, com o perigo de uma injusta desqualificação e despolitização da sociedade.
Para finalizar, enfatizo a minha preocupação com a urgência do momento atual, convidando a todos para uma reflexão ponderada sobre a inspiradora parábola budista da flecha envenenada: 
Era uma vez um homem que foi ferido por uma flecha envenenada. Sua família e amigos queriam que ele recebesse um médico, mas o doente se recusou, dizendo que, antes queria saber o nome do homem que o machucara, a casta a que pertencia e seu lugar de origem. Também queria saber se esse homem era alto, forte, tinha tez clara ou escura e também precisava saber qual o tipo de arco que ele havia disparado e se a corda do arco era feita de bambu, cânhamo ou seda. Ele disse que queria saber se a pena da seta veio de um falcão, um abutre ou um pavão ... E se perguntava se o arco que tinha sido usado para atirar nele era um arco comum ou um arco curvo e todo tipo de informação semelhante, o homem morreu sem conhecer as respostas.
Vejo a flecha como a nossa natureza egóica e o veneno como a ilusão da separatividade, ou seja, a causa perpetuadora de todos os problemas pessoais e planetários. A cura para o veneno da separatividade está na percepção direta da unidade da vida, através do resgate das dimensões espiritual e política da humanidade, independentemente das especulações envolvidas na justificação da origem do ego e da sua correspondente condição ilusória. Pois, uma explicação inteligível para a nossa sofrida condição humana talvez ainda esteja distante do nosso atual patamar evolutivo.

Por isso, os mais iluminados instrutores da humanidade prescreveram uma via direta de libertação, ao invés de estimularem uma racionalização infrutífera sobre as supostas causas metafísicas do sofrimento humano, como exemplificado na parábola da flecha envenenada ensinada por Siddhartha Gautama, o Buda, e, da mesma forma, nestas palavras de admoestação proferidas por Jesus, o Cristo:
Buscai, assim, em primeiro lugar, o Reino de Deus e a sua justiça, e todas essas coisas vos serão acrescentadas.
Neste sentido, será priorizado pelo blog a apresentação de propostas práticas para o enfrentamento da crise planetária, visando motivar uma reflexão crítica sobre a imprescindível necessidade de uma mobilização global rumo a uma metanoia que envolva toda a coletividade humana, focando em temas relacionados com uma espiritualidade política ou uma política espiritual, assim como, sugestões para uma metanoia pessoal, buscando estimular o questionamento sério e maduro das nossas crenças mais arraigadas sobre a natureza do eu e dos fenômenos, objetivando uma ampliação da nossa visão de mundo em direção a um novo patamar evolutivo pessoal e planetário.

"Tenho crenças, graças a Deus!
Mas não fico limitado a elas, busco ir Além!"

Revisado em 22.09.2018

L.C. Dias

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