Por Ken Wilber
O fato alarmante é que qualquer entendimento profundo carrega uma terrível responsabilidade: aqueles a quem é permitido ver, simultaneamente estão encilhados no dever de comunicar a visão em termos bem claros; esta é a troca.
Foi-lhe permitido ver a verdade com a condição que você a comunicaria a outros (este é o sentido último do voto do bodhisattva). E, portanto, se você viu, deve falar. Fale com compaixão, fale com furiosa sabedoria, ou fale habilmente, mas fale.
E esta é, verdadeiramente, uma carga terrível, uma carga horrível, porque em nenhuma situação há lugar para timidez. O fato de que você possa estar errado não é desculpa; você pode estar certo em sua comunicação, ou pode estar errado, mas isto não importa.
O que importa, como nos lembrou secamente Kierkegaard, é que somente investindo e relatando sua visão com paixão, a verdade pode penetrar, de uma maneira ou de outra, na relutância do mundo.
Se você está certo ou errado, somente sua paixão forçará a descoberta. É seu dever promover esta descoberta e, portanto, é seu dever disseminar sua verdade com toda paixão e coragem que puder encontrar em seu coração. Você deve gritar como puder.
O mundo comum já está gritando, e com tal ira roufenha que as verdadeiras vozes mal podem ser ouvidas. O mundo materialista já está cheio de publicidade e fascinação, gritos de atração e brados de comércio, acenos de saudação e convites para achegar-se.
Não quero ser duro aqui pois devemos honrar nossos engajamentos menores. Entretanto, você deve ter notado que a palavra “alma” é agora o item mais quente nos títulos de livros à venda, mas na maioria desses livros “alma” realmente significa ego arrastado.
“Alma” vem denotando, neste frenesi alimentador de entendimento interpretativo, não o atemporal em você mas sim aquilo que se agita mais intensamente ao longo do tempo, e, assim, “cuidado com a alma” significa, incompreensivelmente, focar-se intensamente em seu ardente self alienado.
Do mesmo modo, “espiritual” está na boca de todo mundo, mas normalmente o que realmente significa é qualquer intenso sentimento egóico, assim como “coração” passou a significar qualquer sentimento sincero do self.
Em verdade, tudo isso é simplesmente o mesmo antigo jogo interpretativo, de roupa nova, indo à cidade. E, mesmo assim, poderia ser aceitável se não fosse pelo fato alarmante de que esta manobra interpretativa é agressivamente denominada “transformação”, quando, obviamente, nada mais é que uma nova série de ariscas interpretações.
Em outras palavras, infelizmente parece estar ocorrendo uma profunda hipocrisia oculta no jogo que considera qualquer nova interpretação como sendo uma grande transformação. E o mundo em geral, Leste ou Oeste, Norte ou Sul, está, como sempre esteve, na maioria das vezes, completamente surdo a esta calamidade.
Assim, em função da medida de sua realização autêntica, você está realmente pensando em sussurrar gentilmente no ouvido deste mundo quase surdo? Não, meu amigo, você tem que gritar. Gritar do fundo do coração o que você viu, gritar o mais que puder.
Mas não indiscriminadamente. Prossigamos cuidadosamente com o grito transformador. Que pequenos grupos de espiritualidade transformadora radical foquem seus esforços e transformem seus estudantes.
E que esses grupos lentamente, cuidadosamente, responsavelmente, humildemente comecem a irradiar sua influência, adotando uma tolerância absoluta com todas as visões, mas tentando, todavia, defender uma espiritualidade verdadeira, autêntica e integral – pelo exemplo, por irradiação, por divulgação óbvia, por libertação inequívoca.
Que esses grupos de transformação gentilmente convençam o mundo e seus relutantes egos, desafiem sua legitimidade, desafiem suas interpretações limitadoras e ofereçam um despertar que se contraponha ao entorpecimento que assombra o mundo em geral.
Comecemos aqui e agora – você e eu – o nosso compromisso de respirar ao infinito até que apenas o infinito seja o único estado que o mundo reconhecerá.
Deixemos que a realização radical brilhe em nossas faces, ruja em nossos corações e troveje em nossos cérebros – o simples fato, o fato óbvio: você, no imediatismo da sua consciência presente, é, na realidade, o mundo inteiro, em toda sua paixão e sua indiferença, em toda sua glória e sua graça, em todas suas vitórias e suas lágrimas.
Você não vê o sol, você é o sol; você não ouve a chuva, você é a chuva; você não sente a terra, você é a terra. E nesta simples, clara, inequívoca consideração, a interpretação cessará em todos os domínios, você transformar-se-á no próprio Coração do Kosmos e aí, exatamente aí, muito simplesmente, muito tranqüilamente, tudo será desfeito.
Então, maravilha e remorso serão estranhos a você, você e os outros ser-lhe-ão estranhos, fora e dentro não terão o menor sentido. E num óbvio choque de reconhecimento – onde meu Mestre é meu Self, o Self é o Kosmos e o Kosmos é minha Alma – você andará muito suavemente na bruma deste mundo e o transformará inteiramente não fazendo absolutamente nada.
E então, e então, e somente então, você – finalmente, claramente, cuidadosamente e com compaixão – escreverá na lápide de um self que nunca existiu: Há somente Ati.
(Ken Wilber)
FONTE: Excerto do artigo "Por Uma Espiritualidade Autêntica", traduzido por Ari Raynsford (ariraynsford.com.br).
Foi-lhe permitido ver a verdade com a condição que você a comunicaria a outros (este é o sentido último do voto do bodhisattva). E, portanto, se você viu, deve falar. Fale com compaixão, fale com furiosa sabedoria, ou fale habilmente, mas fale.
E esta é, verdadeiramente, uma carga terrível, uma carga horrível, porque em nenhuma situação há lugar para timidez. O fato de que você possa estar errado não é desculpa; você pode estar certo em sua comunicação, ou pode estar errado, mas isto não importa.
O que importa, como nos lembrou secamente Kierkegaard, é que somente investindo e relatando sua visão com paixão, a verdade pode penetrar, de uma maneira ou de outra, na relutância do mundo.
Se você está certo ou errado, somente sua paixão forçará a descoberta. É seu dever promover esta descoberta e, portanto, é seu dever disseminar sua verdade com toda paixão e coragem que puder encontrar em seu coração. Você deve gritar como puder.
O mundo comum já está gritando, e com tal ira roufenha que as verdadeiras vozes mal podem ser ouvidas. O mundo materialista já está cheio de publicidade e fascinação, gritos de atração e brados de comércio, acenos de saudação e convites para achegar-se.
Não quero ser duro aqui pois devemos honrar nossos engajamentos menores. Entretanto, você deve ter notado que a palavra “alma” é agora o item mais quente nos títulos de livros à venda, mas na maioria desses livros “alma” realmente significa ego arrastado.
“Alma” vem denotando, neste frenesi alimentador de entendimento interpretativo, não o atemporal em você mas sim aquilo que se agita mais intensamente ao longo do tempo, e, assim, “cuidado com a alma” significa, incompreensivelmente, focar-se intensamente em seu ardente self alienado.
Do mesmo modo, “espiritual” está na boca de todo mundo, mas normalmente o que realmente significa é qualquer intenso sentimento egóico, assim como “coração” passou a significar qualquer sentimento sincero do self.
Em verdade, tudo isso é simplesmente o mesmo antigo jogo interpretativo, de roupa nova, indo à cidade. E, mesmo assim, poderia ser aceitável se não fosse pelo fato alarmante de que esta manobra interpretativa é agressivamente denominada “transformação”, quando, obviamente, nada mais é que uma nova série de ariscas interpretações.
Em outras palavras, infelizmente parece estar ocorrendo uma profunda hipocrisia oculta no jogo que considera qualquer nova interpretação como sendo uma grande transformação. E o mundo em geral, Leste ou Oeste, Norte ou Sul, está, como sempre esteve, na maioria das vezes, completamente surdo a esta calamidade.
Assim, em função da medida de sua realização autêntica, você está realmente pensando em sussurrar gentilmente no ouvido deste mundo quase surdo? Não, meu amigo, você tem que gritar. Gritar do fundo do coração o que você viu, gritar o mais que puder.
Mas não indiscriminadamente. Prossigamos cuidadosamente com o grito transformador. Que pequenos grupos de espiritualidade transformadora radical foquem seus esforços e transformem seus estudantes.
E que esses grupos lentamente, cuidadosamente, responsavelmente, humildemente comecem a irradiar sua influência, adotando uma tolerância absoluta com todas as visões, mas tentando, todavia, defender uma espiritualidade verdadeira, autêntica e integral – pelo exemplo, por irradiação, por divulgação óbvia, por libertação inequívoca.
Que esses grupos de transformação gentilmente convençam o mundo e seus relutantes egos, desafiem sua legitimidade, desafiem suas interpretações limitadoras e ofereçam um despertar que se contraponha ao entorpecimento que assombra o mundo em geral.
Comecemos aqui e agora – você e eu – o nosso compromisso de respirar ao infinito até que apenas o infinito seja o único estado que o mundo reconhecerá.
Deixemos que a realização radical brilhe em nossas faces, ruja em nossos corações e troveje em nossos cérebros – o simples fato, o fato óbvio: você, no imediatismo da sua consciência presente, é, na realidade, o mundo inteiro, em toda sua paixão e sua indiferença, em toda sua glória e sua graça, em todas suas vitórias e suas lágrimas.
Você não vê o sol, você é o sol; você não ouve a chuva, você é a chuva; você não sente a terra, você é a terra. E nesta simples, clara, inequívoca consideração, a interpretação cessará em todos os domínios, você transformar-se-á no próprio Coração do Kosmos e aí, exatamente aí, muito simplesmente, muito tranqüilamente, tudo será desfeito.
Então, maravilha e remorso serão estranhos a você, você e os outros ser-lhe-ão estranhos, fora e dentro não terão o menor sentido. E num óbvio choque de reconhecimento – onde meu Mestre é meu Self, o Self é o Kosmos e o Kosmos é minha Alma – você andará muito suavemente na bruma deste mundo e o transformará inteiramente não fazendo absolutamente nada.
E então, e então, e somente então, você – finalmente, claramente, cuidadosamente e com compaixão – escreverá na lápide de um self que nunca existiu: Há somente Ati.
(Ken Wilber)
FONTE: Excerto do artigo "Por Uma Espiritualidade Autêntica", traduzido por Ari Raynsford (ariraynsford.com.br).
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