Por Alan Watts
Existe um motivo para as grandes filosofias orientais começarem com a prática da concentração, isto é, da observação atenta. É como dizer: Se você quer saber o que é a realidade, deve olhar diretamente para ela e ver por si próprio.
Mas isso requer um certo grau de concentração, porque a realidade não consiste de símbolos, palavras e pensamentos, ou reflexões e fantasias. Então, para poder vê-la claramente, sua mente deve estar livre de palavras errantes e das fantasias flutuantes da memória.
A isso, certamente estaríamos propensos a responder: “Tudo bem, mas é mais fácil falar do que fazer”. Alguma dificuldade sempre parece surgir quando se traduz palavras em ação, e essa dificuldade parece ser particularmente grave no que tange à chamada vida espiritual.
Confrontados com este problema, recuamos e começamos a nos ocupar com uma série de discussões sobre métodos e técnicas, e outros recursos para concentração. Mas deve ser fácil perceber que tudo isso não passa de procrastinação e adiamento.
Você não pode, ao mesmo tempo, concentrar-se e pensar em se concentrar. Parece quase ridículo dizer isso, mas a única forma de se concentrar é se concentrando. Ao fazê-lo de fato, a própria ideia de fazê-lo desaparece – e isso é o mesmo que dizer que a religião desaparece quando se torna algo real e eficaz.
Se você conseguir concentrar sua mente por dois segundos, pode fazê-lo por dois minutos e, se conseguir fazer isso por dois minutos, poderá fazê-lo por duas horas. Claro, se você quiser tornar isso terrivelmente dificultoso, pode começar a pensar em medir o tempo para cada ato seu. Em vez de se concentrar, você começa a pensar se está realmente concentrado, há quanto tempo está se concentrando e por quanto tempo consegue continuar assim. Tudo isso é totalmente inútil.
Concentre-se por um segundo. Se, depois desse tempo, sua mente se distrair, concentre-se por mais um segundo e depois outro. Ninguém precisa se concentrar mais do que um segundo – neste segundo. É por isso que não faz sentido medir o tempo para cada ato seu, competir consigo mesmo e se preocupar com seu progresso e seu sucesso nessa arte. É simplesmente a boa e velha história de facilitar um trabalho difícil dando um passo de cada vez.
Como diz o provérbio, “Panela vigiada não ferve”. Quando você tenta observar sua mente enquanto se concentra, ela não se concentrará. E se, uma vez concentrada, você ficar aguardando algum insight sobre a realidade, a concentração é interrompida.
Portanto, a concentração autêntica é antes um estado curioso, aparentemente paradoxal, pois ela é, ao mesmo tempo, o máximo de consciência e o mínimo de ego, o que, de certo modo, nega os sistemas da psicologia ocidental que identificam o princípio consciente com o ego.
Da mesma forma, ela é o máximo de atividade mental ou eficiência, e o mínimo de intencionalidade mental, pois não é possível se concentrar e, simultaneamente, esperar obter um resultado da concentração. A única maneira de entrar neste estado é precipitadamente, sem demora ou hesitação: simplesmente fazê-lo.
É por isso que geralmente evito falar sobre os diferentes tipos de técnicas de meditação orientais ou ioga. Porque estou inclinado a achar que, para a maioria dos ocidentais, elas não representam uma ajuda, mas um obstáculo à concentração.
Para nós, é algo forçado e antinatural realizar a postura de lótus e submeter-se a todo tipo de ginástica espiritual. Muitos ocidentais que adotam quaisquer dessas práticas são tão autoconscientes disso, tão preocupados com a ideia de realizá-las que, na realidade, não as realizam de fato.
Portanto, o importante é simplesmente começar, em qualquer lugar, esteja onde estiver. Se você está sentado, apenas sente-se. Se você está fumando um cachimbo, apenas fume. Se você está refletindo sobre um problema, simplesmente reflita.
Mas não pense nem reflita de maneira desnecessária ou compulsiva, pela força ou pelo hábito mental. No Zen, isso é chamado de mente vazante, como um velho barril rachado que não consegue manter seu conteúdo.
(Alan Watts)
FONTE: Excertos do Capítulo 3 do livro "Torne-se o que você é", Editora Vozes, 2020.
Mas isso requer um certo grau de concentração, porque a realidade não consiste de símbolos, palavras e pensamentos, ou reflexões e fantasias. Então, para poder vê-la claramente, sua mente deve estar livre de palavras errantes e das fantasias flutuantes da memória.
A isso, certamente estaríamos propensos a responder: “Tudo bem, mas é mais fácil falar do que fazer”. Alguma dificuldade sempre parece surgir quando se traduz palavras em ação, e essa dificuldade parece ser particularmente grave no que tange à chamada vida espiritual.
Confrontados com este problema, recuamos e começamos a nos ocupar com uma série de discussões sobre métodos e técnicas, e outros recursos para concentração. Mas deve ser fácil perceber que tudo isso não passa de procrastinação e adiamento.
Você não pode, ao mesmo tempo, concentrar-se e pensar em se concentrar. Parece quase ridículo dizer isso, mas a única forma de se concentrar é se concentrando. Ao fazê-lo de fato, a própria ideia de fazê-lo desaparece – e isso é o mesmo que dizer que a religião desaparece quando se torna algo real e eficaz.
Se você conseguir concentrar sua mente por dois segundos, pode fazê-lo por dois minutos e, se conseguir fazer isso por dois minutos, poderá fazê-lo por duas horas. Claro, se você quiser tornar isso terrivelmente dificultoso, pode começar a pensar em medir o tempo para cada ato seu. Em vez de se concentrar, você começa a pensar se está realmente concentrado, há quanto tempo está se concentrando e por quanto tempo consegue continuar assim. Tudo isso é totalmente inútil.
Concentre-se por um segundo. Se, depois desse tempo, sua mente se distrair, concentre-se por mais um segundo e depois outro. Ninguém precisa se concentrar mais do que um segundo – neste segundo. É por isso que não faz sentido medir o tempo para cada ato seu, competir consigo mesmo e se preocupar com seu progresso e seu sucesso nessa arte. É simplesmente a boa e velha história de facilitar um trabalho difícil dando um passo de cada vez.
Como diz o provérbio, “Panela vigiada não ferve”. Quando você tenta observar sua mente enquanto se concentra, ela não se concentrará. E se, uma vez concentrada, você ficar aguardando algum insight sobre a realidade, a concentração é interrompida.
Portanto, a concentração autêntica é antes um estado curioso, aparentemente paradoxal, pois ela é, ao mesmo tempo, o máximo de consciência e o mínimo de ego, o que, de certo modo, nega os sistemas da psicologia ocidental que identificam o princípio consciente com o ego.
Da mesma forma, ela é o máximo de atividade mental ou eficiência, e o mínimo de intencionalidade mental, pois não é possível se concentrar e, simultaneamente, esperar obter um resultado da concentração. A única maneira de entrar neste estado é precipitadamente, sem demora ou hesitação: simplesmente fazê-lo.
É por isso que geralmente evito falar sobre os diferentes tipos de técnicas de meditação orientais ou ioga. Porque estou inclinado a achar que, para a maioria dos ocidentais, elas não representam uma ajuda, mas um obstáculo à concentração.
Para nós, é algo forçado e antinatural realizar a postura de lótus e submeter-se a todo tipo de ginástica espiritual. Muitos ocidentais que adotam quaisquer dessas práticas são tão autoconscientes disso, tão preocupados com a ideia de realizá-las que, na realidade, não as realizam de fato.
Portanto, o importante é simplesmente começar, em qualquer lugar, esteja onde estiver. Se você está sentado, apenas sente-se. Se você está fumando um cachimbo, apenas fume. Se você está refletindo sobre um problema, simplesmente reflita.
Mas não pense nem reflita de maneira desnecessária ou compulsiva, pela força ou pelo hábito mental. No Zen, isso é chamado de mente vazante, como um velho barril rachado que não consegue manter seu conteúdo.
(Alan Watts)
FONTE: Excertos do Capítulo 3 do livro "Torne-se o que você é", Editora Vozes, 2020.
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