Por John Welwood
Mesmo nas melhores circunstâncias possíveis, o caminho do desenvolvimento espiritual não é tão direto quanto parece à primeira vista. Uma das razões disso é que ele nos introduz numa ordem superior de verdade, que muitas vezes está em desacordo com nossas formas comuns de pensamento e percepção.
No budismo, esses dois planos da realidade são chamados de verdade absoluta e verdade relativa. Certas perspectivas que derivam do plano absoluto – como “nada é real”, “renúncia à razão”, “bem e mal não passam de ilusões”, “abrir mão do ego e render-se” – podem tornar-se facilmente instrumentos de auto engano, perversão e grandes danos quando usadas de forma errada ou confusa.
Vislumbres fáceis das verdades espirituais estão muito longe da realização espiritual genuína. O desenvolvimento espiritual real, encarnado, acontece por meio de um processo implacável de autoconfronto que exige de nós a superação de todos os nossos medos e resistências. O que, por sua vez, envolve a superação dos obstáculos – todas as antigas feridas, defesas, pretensões, demandas, fixações, vícios e negações que trazemos conosco do passado.
No entanto, existe agora uma espiritualidade superficial – muito difundida no Ocidente – que oferece vislumbres imediatos da própria essência e, ao mesmo tempo, requer pouco do aspirante. Prega um absolutismo unilateral, muitas vezes em nome de uma suposta experiência não dual, onde tudo quanto você precisa fazer é despertar imediatamente para a sua natureza divina, que tudo lhe será revelado.
Essa espiritualidade é certamente tentadora numa cultura que gira em torno de resultados instantâneos, onde as pessoas não querem ouvir falar do quanto o caminho espiritual é, na verdade, lento, árduo e exigente. Nada disso: vamos abandonar todas as práticas espirituais antigas.
Não precisamos sequer praticar, segundo os neovedantistas: a prática é um esforço que só adia o nosso despertar, porque, quando você pratica, faz isso para chegar a algum lugar. Por que não poupar tempo e simplesmente despertar agora mesmo? O despertar está bem aqui – portanto, esqueça a prática. Basta ser.
Essa visão unilateral, comum a todas as armadilhas do caminho, baseia-se numa certa verdade: sim, é claro que podemos reconhecer nossa natureza suprema num momento breve a qualquer hora. Sim, é facílimo, desde que você saiba o que está procurando e como se entregar durante o processo.
Mas não, isso não é um caminho espiritual, porque não enfrenta o outro lado da realidade: as complexidades relativas ao carma, condicionamento, hábitos arraigados, identidades inconscientes, feridas psicológicas e autoengano de todos os tipos.
Uma fórmula simplista como a recomendação de “ficar calmo e só ser” é o mesmo que declarar, “Se você ama, a relação afetiva é fácil”. Sim, de uma perspectiva suprema (absoluta), a jornada espiritual nunca precisa ser realizada, porque já somos perfeitos na nossa essência exatamente como somos agora.
Mas, no plano relativo, onde nos identificamos inconscientemente com todos os tipos de demônios, fantasmas e tiranos ocultos, as práticas do caminho fazem mais do que apenas revelar nossa verdadeira natureza. Elas também têm por objetivo ajudar-nos a nos livrar desses obstáculos internos à verdade, ao amor e à sabedoria.
Para enfrentar melhor esses obstáculos, como afirmei em grande parte da minha obra, o trabalho psicológico dedicado também pode desempenhar um papel importante – ou mesmo indispensável – no desenvolvimento espiritual.
Mas, o que vai nos permitir abrir e expandir a mente condicionada, ao mesmo tempo em que afiamos a lâmina da discriminação, é uma prática de meditação que pode nos ajudar a lançar um olhar profundo na natureza e no processo de nossa experiência contínua.
(John Welwood)
FONTE: Excertos da Introdução do livro "De olhos bem abertos: cultivando o discernimento no caminho espiritual", Mariana Caplan, Editora Barany, 2015.
No budismo, esses dois planos da realidade são chamados de verdade absoluta e verdade relativa. Certas perspectivas que derivam do plano absoluto – como “nada é real”, “renúncia à razão”, “bem e mal não passam de ilusões”, “abrir mão do ego e render-se” – podem tornar-se facilmente instrumentos de auto engano, perversão e grandes danos quando usadas de forma errada ou confusa.
Vislumbres fáceis das verdades espirituais estão muito longe da realização espiritual genuína. O desenvolvimento espiritual real, encarnado, acontece por meio de um processo implacável de autoconfronto que exige de nós a superação de todos os nossos medos e resistências. O que, por sua vez, envolve a superação dos obstáculos – todas as antigas feridas, defesas, pretensões, demandas, fixações, vícios e negações que trazemos conosco do passado.
No entanto, existe agora uma espiritualidade superficial – muito difundida no Ocidente – que oferece vislumbres imediatos da própria essência e, ao mesmo tempo, requer pouco do aspirante. Prega um absolutismo unilateral, muitas vezes em nome de uma suposta experiência não dual, onde tudo quanto você precisa fazer é despertar imediatamente para a sua natureza divina, que tudo lhe será revelado.
Essa espiritualidade é certamente tentadora numa cultura que gira em torno de resultados instantâneos, onde as pessoas não querem ouvir falar do quanto o caminho espiritual é, na verdade, lento, árduo e exigente. Nada disso: vamos abandonar todas as práticas espirituais antigas.
Não precisamos sequer praticar, segundo os neovedantistas: a prática é um esforço que só adia o nosso despertar, porque, quando você pratica, faz isso para chegar a algum lugar. Por que não poupar tempo e simplesmente despertar agora mesmo? O despertar está bem aqui – portanto, esqueça a prática. Basta ser.
Essa visão unilateral, comum a todas as armadilhas do caminho, baseia-se numa certa verdade: sim, é claro que podemos reconhecer nossa natureza suprema num momento breve a qualquer hora. Sim, é facílimo, desde que você saiba o que está procurando e como se entregar durante o processo.
Mas não, isso não é um caminho espiritual, porque não enfrenta o outro lado da realidade: as complexidades relativas ao carma, condicionamento, hábitos arraigados, identidades inconscientes, feridas psicológicas e autoengano de todos os tipos.
Uma fórmula simplista como a recomendação de “ficar calmo e só ser” é o mesmo que declarar, “Se você ama, a relação afetiva é fácil”. Sim, de uma perspectiva suprema (absoluta), a jornada espiritual nunca precisa ser realizada, porque já somos perfeitos na nossa essência exatamente como somos agora.
Mas, no plano relativo, onde nos identificamos inconscientemente com todos os tipos de demônios, fantasmas e tiranos ocultos, as práticas do caminho fazem mais do que apenas revelar nossa verdadeira natureza. Elas também têm por objetivo ajudar-nos a nos livrar desses obstáculos internos à verdade, ao amor e à sabedoria.
Para enfrentar melhor esses obstáculos, como afirmei em grande parte da minha obra, o trabalho psicológico dedicado também pode desempenhar um papel importante – ou mesmo indispensável – no desenvolvimento espiritual.
Mas, o que vai nos permitir abrir e expandir a mente condicionada, ao mesmo tempo em que afiamos a lâmina da discriminação, é uma prática de meditação que pode nos ajudar a lançar um olhar profundo na natureza e no processo de nossa experiência contínua.
(John Welwood)
FONTE: Excertos da Introdução do livro "De olhos bem abertos: cultivando o discernimento no caminho espiritual", Mariana Caplan, Editora Barany, 2015.
Comentários
Postar um comentário