Por Loch Kelly
Hoje existe um potencial para uma nova etapa do desenvolvimento humano, para despertar e crescer. É claro que você só pode crescer até certo nível, a menos que você desperte, e isso significa que é importante amadurecer psicologicamente para o despertar.
Não importa o quanto avancemos espiritualmente, o objetivo não é transcender o ser humano. Para despertar, você não precisa deixar sua vida, ir para uma caverna, ser um meditador de nível olímpico ou assumir qualquer tipo de crença religiosa. Independentemente do seu sistema de crenças ou filiação espiritual (ou não filiação), você pode começar a despertar no meio de sua vida diária.
Na verdade, se você estiver olhando a partir da identificação do ego, nunca se sentirá bem ou preparado o suficiente. A maioria dos adultos está pronta. Provavelmente, você que está lendo isso, está pronto. Se você teve que se concentrar, completando tarefas na escola ou trabalho, até formando relacionamentos, você já cresceu o suficiente para despertar e aprender a viver com uma consciência de coração aberto.
Despertar é aliviar o sofrimento e aumentar o bem-estar por meio de uma mudança de identidade e percepção. Todos nós temos frustrações e sofrimentos em todos os níveis de nossa vida física, mental e emocional, e existem diferentes maneiras de abordar o sofrimento humano.
No entanto, o sofrimento associado ao despertar é um tipo muito particular de sofrimento - um problema generalizado - uma perpétua insatisfação causada pela identificação com o ego.
O Despertar aborda a causa raiz - não apenas os sintomas de desejo e aversão. Embora a dor física e emocional seja um sofrimento legítimo e uma parte normal da vida humana, sofrer por causa de nossa identidade equivocada é opcional.
Nessa abordagem, o despertar começa com um reconhecimento direto, mas depois tem um desdobramento gradual. Não é uma iluminação instantânea ou uma fuga da condição humana.
Em última análise, quem você é sempre será a consciência desperta - e ainda assim perceber isso dará início a um novo desdobramento na sua forma de viver no dia a dia. Apenas vislumbrar sua natureza básica pode ser uma mudança profunda em si mesma.
O processo de despertar geralmente começa com um movimento inicial da identificação com o ego em direção à consciência desperta. Em seguida, continua com o despertar para incluir e conhecer o nosso corpo, os pensamentos e as emoções a partir de uma perspectiva não-conceitual. O terceiro estágio do despertar envolve criar e se relacionar a partir de uma consciência de coração aberto.
Cada estágio traz sua própria liberação. O despertar leva à libertação do medo da morte. O despertar leva à libertação do medo da vida. E o despertar leva à libertação do medo de amar.
O despertar, em seu estágio inicial, pode ser dividido em dois movimentos importantes. O primeiro é o despertar para a identificação com o ego, a maneira normal de organizar nossa identidade que cria sofrimento. O segundo, é despertar para a consciência desperta como uma alternativa à nossa identidade equivocada e reconhecer que a consciência já está presente e é inteligente.
Perceber que podemos mudar da identificação do ego para a consciência desperta é tão revolucionário hoje quanto foi o reconhecimento de que a Terra gira em torno do Sol no século XVII.
Em muitas tradições de sabedoria, o termo despertar é frequentemente usado porque as pessoas relatam que sua experiência se assemelha ao despertar de um sonho. Atualmente, vivemos em um estado alterado de consciência, semelhante ao de um sonho, que cria sofrimento e confusão que desaparecem quando acordamos.
Quando estamos sonhando à noite, estamos totalmente identificados com o mundo onírico, experimentando-o como real e completo. Mas assim que acordamos, sabemos com certeza: "Ah, isso foi só um sonho!" Quando saímos de um sonho, todo o mundo dos sonhos desaparece. Quando despertamos da identificação com o ego, nossos pensamentos e projeções de medo e desejo desaparecem, deixando o mundo físico mais simples e claro.
Quando acordamos de um sonho, percebemos que quem quer que tenhamos sido no sonho não é quem realmente somos. A percepção onírica de nossa identificação com o ego desaparece e paramos de andar sonâmbulos em nossas vidas.
Quando despertamos e estamos alicerçados na consciência, nossa identificação com o ego não é mais o centro de quem somos. Podemos sentir como se houvesse existido uma figura onírica com nosso nome tentando viver nossa vida.
Ao acordar da identificação com o ego, podemos nos surpreender ao descobrir que nossa perspectiva limitada é apenas uma pequena parte de uma realidade muito mais vasta.
Despertar é como sair de um cinema depois de um drama envolvente. O que antes parecia ser um perigo real para o "mini-eu" da identificação do ego, agora vemos como uma estória.
Quando acordamos, não estamos mais preocupados e assustados com situações imaginárias que antes pareciam tão perturbadoras. Percebemos que somos a vasta consciência que está atuando como uma pequena parte.
A maioria de nós presume que nossa identificação com o ego é quem somos e, portanto, vivemos nossas vidas a partir desse ponto de vista. Achamos que nossa melhor oportunidade para uma vida sã e segura é fortalecer essa identidade do ego. Olhando pelas lentes da identificação do ego, as dimensões mais sutis da realidade são embaçadas, e nos sentimos distintamente separados de tudo.
Despertar é a mudança para a experiência direta de uma realidade mais plena que antes havia sido obscurecida pela ignorância e ilusão. No entanto, se despertamos desconstruindo ou transcendendo o mini-eu, podemos acabar em uma lacuna que parece um vazio negativo. Isso pode parecer uma transição assustadora, e pode haver um efeito de rebote que nos manda de volta para o mini-eu.
Existe naturalmente uma atração magnética do hábito, identificando-se com o conhecimento baseado no pensamento. Podemos sentir que nossa consciência restaurou a mente pensante como nossa casa. Para muitos de nós, na verdade, é a única casa que conhecemos. Também podemos ter aprendido a dizer a nós mesmos: "Não enlouqueça" ou "Evite o vazio".
Então, assim que voltarmos a nossa mente pensante para uma outra perspectiva, é possível reidentificamo-nos com o nosso eu. Ao reconhecer imediatamente a consciência desperta além dos sentidos, descobrimos um vazio positivo que não é apenas uma ausência, mas uma presença viva, uma mente aberta, um espaço seguro, nossa nova base de ser.
Só podemos saber quem realmente somos a partir do conhecimento baseado na consciência desperta. Podemos então acolher o medo do vazio negativo com um sentimento de liberdade, à medida que nos sentimos ancorados, centrados e mais em nossos corpos. Ao despertar, nos sentimos mais criativos e conectados uns com os outros como nunca antes vivenciado.
A maioria de nós passou grande parte de suas vidas trabalhando para melhorar e desenvolver o senso individual de identidade para ter sucesso, obter aprovação e encontrar a felicidade. Devemos ter a disposição de atravessar a lacuna de não saber, não ter ego e não estar no controle. Ao reconhecer a consciência desperta imediatamente, temos o suporte para iniciar nossa nova fase de vida.
O despertar pode parecer um desafio assustador, mas não é mais difícil do que outros estágios de aprendizado e crescimento pelos quais você já passou, e é mais gratificante. Na verdade, para que nosso despertar seja corporificado, precisamos considerar e incluir todos os aspectos das relações humanas.
Com o despertar começa a descoberta da consciência que é livre, por já estar desperta e conectada, independentemente de nossos pensamentos serem positivos ou negativos.
O despertar não é um evento único, mas uma série de mudanças e um processo de desdobramento que nos afasta do hábito de tentar manter um centro, um ponto de vista e a primazia de um senso separado de si mesmo.
O processo de despertar se desdobra de forma diferenciada e exclusiva para cada indivíduo. Podemos começar nosso processo tendo pequenos vislumbres da consciência desperta e repetindo esses vislumbres muitas vezes. A prática de pequenos vislumbres começará a reconectar todo o nosso ser e a apoiar ainda mais o processo de despertar em desenvolvimento.
Todo o nosso sistema mente-corpo foi amarrado em nós por nossas tentativas de nos defender contra a dor causada por nossa identidade equivocada. Por esse motivo, a maioria de nós passa por um processo de descongelamento e desintoxicação que, aos poucos, religa nossas redes neurais.
A jornada do despertar acolhe e libera nossas dúvidas e medos mais profundos. As histórias centrais - eu não sou bom o suficiente... Algo está errado comigo... Eu não sou amável - não são mais convincentes. Então, aprendemos a retornar à consciência desperta como nossa base de existência e treinamos para permanecer nela.
A mudança para uma nova percepção, conhecimento e identidade gera um novo tipo de vitalidade. Como resultado, descobrimos um nível renovado de motivação e expressão criativa.
Você tem que começar de onde está, mas quem começa a jornada não está desperto. "Você" não desperta, aquilo que é a consciência não desperta. A consciência desperta, que é sem conteúdo e não condicionada, percebe que sempre foi a base primária de seu condicionamento e da vida humana.
Muitas pessoas despertam para essa realização, ou seja, lembrando quem realmente são. Uma pessoa disse: "Este é o sentimento de quem eu fui em todas as idades da minha vida, que não mudou". É tão comum que é extraordinário.
Quando você desperta, você acorda de um padrão de pensamento em loop que tem sido chamado de "eu" e se sente localizado atrás de seus olhos, no meio de sua cabeça.
Mas o despertar não o torna um ninguém, um ninão bem-aventurado ou um robô vazio. Você simplesmente não é a identidade particular que antes pensava ser.
Esta jornada começa com a liberdade de identificação com nossos corpos e mentes, mas termina incluindo e abrangendo tudo a partir de uma consciência de coração aberto.
Pode ser difícil aceitar que mudar para a liberdade é realmente possível para você. Mas a consciência natural e amorosa de que estou falando é a fonte de sua mente e identidade. É nossa condição natural.
(Loch Kelly)
FONTE: Excerto do Capítulo 1 do livro "Shift Into Freedom: The Science and Practice of Open-Hearted Awareness", Sounds True, 2015.
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