Por Alan Watts
Parece-me que aquilo que o dedo da religião aponta é algo que não é de forma alguma religioso. A religião, com todo o seu aparato de ideias e práticas, é um apontador como um todo – e não aponta para si mesma. Nem aponta para Deus, uma vez que a noção de Deus é componente essencial da religião.
Eu poderia dizer que a religião aponta para a realidade, só que isso simplesmente fornece uma noção filosófica em vez de religiosa. E posso pensar em uma dúzia de outros substitutos para Deus ou realidade. Eu poderia dizer que aponta para o nosso verdadeiro Eu, para o eterno Agora, para o mundo não verbal, para o infinito e inefável – mas, na verdade, nada disso é útil. Isso é simplesmente colocar um dedo no lugar do outro.
Se alguém de fato aponta o dedo para a lua, não vejo dificuldade em me virar e olhar para a lua. Mas aquilo para o que aponta esses dedos religiosos e filosóficos parece ser invisível, então, quando me viro para olhar, não vejo nada lá, e sou forçado a virar de volta para o dedo para ver se entendi corretamente a direção.
E, sem dúvida, descubro repetidas vezes que não estou errado quanto à direção – mas ainda assim simplesmente não consigo ver para o que se está apontando. Tudo isso é igualmente exasperante para o indivíduo que está apontando, já que ele quer me mostrar algo que lhe é tão óbvio que alguém poderia pensar que até mesmo um tolo poderia vê-lo.
Tenho certeza de que, possivelmente, muitos de vocês, por um momento, vislumbraram rapidamente o que o dedo apontava – uma visão de relance na qual você partilhou do assombro do apontador daquilo que você nunca tinha visto antes, e vislumbrou a coisa tão claramente que estava convencido de que jamais a esqueceria... e então você a perde. Depois disso, você pode sentir uma nostalgia atormentadora que persiste por anos.
Se me é permitido expressá-lo de uma maneira terrivelmente complicada e inadequada, esse vislumbre fugaz é a percepção que repentinamente irrompe em um momento comum de sua vida cotidiana comum, vivida pelo seu eu comum, assim como ela é e assim como você é – que este imediato aqui e agora é perfeito e autossuficiente, além de qualquer descrição possível.
Você sabe que não há nada a ser desejado ou a ser buscado – que nenhuma técnica ou aparato espiritual de crenças ou disciplina é necessário, nenhum tipo de sistema filosófico ou religião. O objetivo está aqui. É a experiência presente, como ela é.
Isso, evidentemente, era aquilo para o que o dedo apontava. Mas, no momento seguinte, quando você olha de novo, o instante em que você está vivendo é tão comum como sempre, mesmo que seu dedo continue apontando diretamente para ele.
No entanto, essa qualidade tão irritantemente esquiva da visão para a qual o dedo aponta tem uma explicação extremamente muito simples, uma explicação que tem a ver com o que eu disse no início sobre abandonar a jangada depois de atravessar o rio.
Para entender essa noção, devemos considerar a jangada como uma representação das ideias, palavras ou outros símbolos através dos quais uma religião ou filosofia se expressa, através dos quais ela aponta para a lua da realidade. Tão logo você tenha compreendido as palavras em seu sentido simples e direto, você já usou a jangada. Você chegou à margem oposta do rio.
Tudo o que resta agora é fazer o que as palavras expressam – abandonar a jangada e caminhar por terra firme. E, para fazer isso, você precisa abandonar a jangada. Em outras palavras, você não pode, neste estágio, pensar na religião e em praticá-la ao mesmo tempo. Para ver a lua, você deve esquecer o dedo que aponta, e simplesmente olhar para a lua.
(Alan Watts)
FONTE: Excertos do Capítulo 3 do livro "Torne-se o que você é", Editora Vozes, 2020.
Eu poderia dizer que a religião aponta para a realidade, só que isso simplesmente fornece uma noção filosófica em vez de religiosa. E posso pensar em uma dúzia de outros substitutos para Deus ou realidade. Eu poderia dizer que aponta para o nosso verdadeiro Eu, para o eterno Agora, para o mundo não verbal, para o infinito e inefável – mas, na verdade, nada disso é útil. Isso é simplesmente colocar um dedo no lugar do outro.
Se alguém de fato aponta o dedo para a lua, não vejo dificuldade em me virar e olhar para a lua. Mas aquilo para o que aponta esses dedos religiosos e filosóficos parece ser invisível, então, quando me viro para olhar, não vejo nada lá, e sou forçado a virar de volta para o dedo para ver se entendi corretamente a direção.
E, sem dúvida, descubro repetidas vezes que não estou errado quanto à direção – mas ainda assim simplesmente não consigo ver para o que se está apontando. Tudo isso é igualmente exasperante para o indivíduo que está apontando, já que ele quer me mostrar algo que lhe é tão óbvio que alguém poderia pensar que até mesmo um tolo poderia vê-lo.
Tenho certeza de que, possivelmente, muitos de vocês, por um momento, vislumbraram rapidamente o que o dedo apontava – uma visão de relance na qual você partilhou do assombro do apontador daquilo que você nunca tinha visto antes, e vislumbrou a coisa tão claramente que estava convencido de que jamais a esqueceria... e então você a perde. Depois disso, você pode sentir uma nostalgia atormentadora que persiste por anos.
Se me é permitido expressá-lo de uma maneira terrivelmente complicada e inadequada, esse vislumbre fugaz é a percepção que repentinamente irrompe em um momento comum de sua vida cotidiana comum, vivida pelo seu eu comum, assim como ela é e assim como você é – que este imediato aqui e agora é perfeito e autossuficiente, além de qualquer descrição possível.
Você sabe que não há nada a ser desejado ou a ser buscado – que nenhuma técnica ou aparato espiritual de crenças ou disciplina é necessário, nenhum tipo de sistema filosófico ou religião. O objetivo está aqui. É a experiência presente, como ela é.
Isso, evidentemente, era aquilo para o que o dedo apontava. Mas, no momento seguinte, quando você olha de novo, o instante em que você está vivendo é tão comum como sempre, mesmo que seu dedo continue apontando diretamente para ele.
No entanto, essa qualidade tão irritantemente esquiva da visão para a qual o dedo aponta tem uma explicação extremamente muito simples, uma explicação que tem a ver com o que eu disse no início sobre abandonar a jangada depois de atravessar o rio.
Para entender essa noção, devemos considerar a jangada como uma representação das ideias, palavras ou outros símbolos através dos quais uma religião ou filosofia se expressa, através dos quais ela aponta para a lua da realidade. Tão logo você tenha compreendido as palavras em seu sentido simples e direto, você já usou a jangada. Você chegou à margem oposta do rio.
Tudo o que resta agora é fazer o que as palavras expressam – abandonar a jangada e caminhar por terra firme. E, para fazer isso, você precisa abandonar a jangada. Em outras palavras, você não pode, neste estágio, pensar na religião e em praticá-la ao mesmo tempo. Para ver a lua, você deve esquecer o dedo que aponta, e simplesmente olhar para a lua.
(Alan Watts)
FONTE: Excertos do Capítulo 3 do livro "Torne-se o que você é", Editora Vozes, 2020.
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