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Atravessando o labirinto da pós-modernidade

Por L.C. Dias

"Até onde é possível descortinarmos, ainda não existe nenhuma alternativa à modernidade que está hoje consciente das suas contingências."
Jürgen Habermas

“O paradoxo é que esta civilização ocidental que triunfa no mundo está em crise no seu núcleo, e sua realização vem revelar suas próprias deficiências.”
Edgar Morin

“Viver entre uma multidão de valores, normas e estilos de vida em competição, sem uma garantia firme e confiável de estarmos certos é perigoso e cobra um alto preço psicológico."
Zygmunt Bauman

“Você não pode verdadeiramente ir além do pós-modernismo sem antes integrar seus melhores aspectos (pluralismo, tolerância, direitos humanos, etc.), caso contrário sua visão pode inclinar-se para o reacionário.”
Andrew Sweeny

Pós-modernidade é um conceito polissêmico ainda em construção. Não pretende configurar uma nova era posterior à atual, mas um conjunto de ideias que infligem uma crítica mordaz aos princípios que subjazem a Modernidade, uma busca por justificativas para o atual mal estar da civilização, marcado, principalmente, no campo social, pela descrença em relação às metanarrativas, uma desconstrução dos valores tradicionais e universais, um pluralismo radical, trazendo como efeito colateral o surgimento de um niilismo e narcisismo avassaladores, como jamais vistos em toda a história humana. 

Difícil enquadrar o momento atual em um conceito, nenhum caminho está traçado para a humanidade, o discurso do progresso como uma linha reta rumo à felicidade desmanchou-se no ar. O pós-modernismo está marcado por uma atmosfera do vazio, do tédio e do completo niilismo; o niilismo passivo, tal como previsto por Nietzsche. Então, como responder a questão levantada Foucault - “o que estamos fazendo de nossas vidas?” -, pois, o pós-modernismo ainda vai adiar qualquer tentativa de resposta, não se sabe até quando. No momento os deuses pós-modernos, o Capital e o Consumo, só aceitam oferendas marcadas pelo efêmero, pelo incerto, pela dúvida e pelo eterno adiamento. (1)

Portanto, frente a este cenário desalentador, vamos buscar nas ideias de Ken Wilber, filósofo estadunidense criador da abordagem integral, e Jordan B. Peterson, professor da Universidade de Toronto, psicólogo clínico e escritor, uma possível saída deste labirinto nebuloso da pós modernidade. Pois, como bem lembrado por Andrew Sweeny, Peterson e Wilber estão certos em criticar uma cultura de niilismo e narcisismo, que fala sobre direitos humanos, mas minimiza as responsabilidades individuais.

Neste sentido, vejamos como Ken Wilber descreve o momento crítico em que vivemos:

“No início da década de 1960, o Verde (cosmovisão pluralista pós moderna) começou a emergir como uma grande força cultural e logo ultrapassou o Laranja (que era o estágio de liderança anterior, conhecido em vários modelos como moderno, racional, razão, operacional formal, conquista, realização, mérito, lucro, progresso, consciencioso) como a vanguarda dominante. Ele começou com uma série de formas saudáveis e muito apropriadas (e evolucionariamente positivas) – o movimento maciço de direitos civis, o movimento ambiental mundial, a ascensão do feminismo pessoal e profissional, o crime de ódio, uma maior sensibilidade a todas as formas de opressão social de praticamente qualquer minoria e, centralmente, a compreensão do papel crucial do "contexto" em qualquer afirmação de conhecimento e o desejo de ser o mais "inclusivo" possível. Toda a revolução dos anos 60 foi impulsionada, principalmente, por esse estágio de desenvolvimento (em 1959, 3% da população estava no Verde, em 1979, perto de 20% da população) e esses eventos realmente mudaram o mundo irrevogavelmente. Os Beatles (considerados sacrossantos em minha opinião) resumiam o movimento inteiro (e suas ações) em uma de suas canções: "All you need is love" (inclusão total é o quente!). 

Mas à medida que as décadas passavam, o Verde começou a mudar, cada vez mais, para formas extremas, desastradas, disfuncionais, até claramente doentias. Seu pluralismo de mente aberta caiu em um excessivo e desenfreado relativismo (colapsando em niilismo), e a noção de que toda verdade é contextualizada (ou ganha significado a partir de seu contexto cultural) escorregou para a noção de que não existe verdade universal, apenas interpretações culturais mutáveis (o que, no fim, desembocou em um difundido narcisismo). Noções centrais (que começaram como importantes conceitos "verdadeiros, mas parciais", mas ruíram em visões extremas e profundamente contraditórias) incluíam as ideias de que todo conhecimento é, em parte, uma construção cultural; todo conhecimento está ligado ao contexto; não há perspectivas privilegiadas; o que se considera "verdade" é um padrão cultural, e é quase sempre imposto por uma ou outra força opressora (racismo, sexismo, eurocentrismo, patriarcado, capitalismo, consumismo, ganância, exploração ambiental); o total, absolutamente único e absolutamente igual, valor de cada ser humano, muitas vezes incluindo animais (igualitarismo). Se houvesse uma linha que resumisse a essência de praticamente todos os escritores pós-modernos (Derrida, Foucault, Lyotard, Bourdieu, Lacan, de Man, Fish, etc.), seria que "não há verdade". Verdade, com mais propriedade, era uma construção cultural e o que qualquer pessoa realmente chamasse de "verdade" era simplesmente o que alguma cultura, em algum lugar, tivesse conseguido convencer seus membros que era verdade – mas não há uma coisa realmente existente, dada, real, chamada "verdade" que esteja, simplesmente, por aí aguardando ser descoberta, da mesma forma que não existe um comprimento de bainha único, universalmente correto, a ser descoberto pelos costureiros.” (2)

E mais:

“(...) não há uma estrutura moral universal – o que é verdadeiro para você é verdadeiro para você, e o que é verdadeiro para mim é verdadeiro para mim – e nenhuma dessas afirmações pode ser questionada por qualquer motivo, sob pena de ser considerada opressão; o mesmo vale para valor: nenhum valor é superior a outro (outra versão do igualitarismo); e se alguma verdade ou valor é reivindicado como universal, ou reivindicado como legítimo e importante para todos, a reivindicação nada mais é do que o poder disfarçado, tentando forçar todas as pessoas, em todos os lugares, a adotar a mesma verdade e os mesmos valores do promotor (com o objetivo final de escravizar e oprimir); portanto, é dever de cada indivíduo, hoje, lutar contra todas as verdades autoritárias apresentadas a ele, ontem, e de ser, total e radicalmente, autônomo (bem como não entreter quaisquer verdades próprias que possam ou devam ser impingidas a qualquer outra pessoa, permitindo que todos também tenham sua própria autonomia radical – em suma, não cultivar nada chamado "verdade", o que agora é visto como sendo sempre um apego ao poder). Você simplesmente desconstrói cada verdade e valor que encontrar (o que, mais uma vez, em geral descambou para o niilismo e seu companheiro de luta no inferno pós-moderno, o narcisismo). Em resumo, a loucura aperspectiva de que "não há verdade" não deixou nada além do que o niilismo e o narcisismo como forças motivadoras.” (3)

Já para Peterson, a atmosfera pesada da pós modernidade pode ser percebida da seguinte forma:

“É possível transcender a adesão servil ao grupo e suas doutrinas e, simultaneamente, evitar as quedas do seu extremo oposto, o niilismo? É possível encontrar sentido suficiente na consciência e experiência do indivíduo? Como o mundo poderia ser liberto do terrível dilema do conflito, por um lado, e da dissolução psicológica e social, por outro? 

Eis a resposta: através da elevação e do desenvolvimento do indivíduo e da disposição de cada um para levar o Ser em seus ombros e escolher o caminho do herói. Cada um de nós deve aceitar tanta responsabilidade quanto possível pela vida individual, pela sociedade e pelo mundo. Cada um de nós deve dizer a verdade e corrigir o que está errado e quebrado e recriar o que está velho ou desatualizado. É dessa forma que podemos e devemos reduzir o sofrimento que envenena o mundo. É pedir muito. É pedir tudo. Mas a alternativa - o horror da crença autoritária, o caos do estado falido, a catástrofe trágica do mundo natural desenfreado, a angústia existencial e a fraqueza do indivíduo sem propósitos - é claramente pior.” (4)

Seguindo com Peterson:

“(...) as pessoas precisam de princípios ordenadores e que, de outra maneira, o caos começa a acenar. Precisamos de regras, padrões, valores - sozinho e coletivamente. Somos animais que vivem em bando, bestas de carga. Precisamos carregar um fardo para justificar nossa existência miserável. Precisamos de rotina e tradição. Isso é ordem. A ordem pode se tornar excessiva, e isso não é bom, mas o caos pode nos afogar e isso também não é bom. Precisamos permanecer no caminho reto e estreito. (...) Talvez, se vivêssemos corretamente conseguiríamos tolerar o peso da nossa autoconsciência Talvez, se vivêssemos corretamente, conseguiríamos resistir ao conhecimento da nossa própria fragilidade e mortalidade, sem o sentido de vitimização agravada, o que produz, primeiramente, o ressentimento, depois a inveja e, então, o desejo por vingança e destruição. Talvez, se vivêssemos corretamente, não tivéssemos de nos voltar à certeza do totalitarismo para proteger a nós mesmos do conhecimento de nossa própria insuficiência e ignorância. Talvez conseguíssemos evitar esses caminhos para o Inferno e vimos, no terrível século XX, quão real o Inferno pode ser.” (5)

No artigo disponibilizado a seguir, de autoria de Andrew Sweeny, é feita uma análise comparativa sobre as soluções propostas por estes dois críticos dos nossos tempos com base em suas visões alternativas e imaculadas pela sufocante egrégora do pensamento pós-moderno. 

Portanto, em Wiber e Peterson vamos buscar, esperançosos, por uma saída deste labirinto que se interpõe entre a perigosa condição pós-moderna e um futuro grandioso para todos nós. Neste contexto, as rotas de fuga indicadas pelos dois pensadores seriam antagônicas ou complementares? É o que pretendemos esclarecer com o artigo de Sweeny.

NOTAS:

(3) Ibidem n. 2
(5) Ibidem n. 4

Jordan Peterson versus Ken Wilber

Por Andrew Sweeny

Jordan Peterson e Ken Wilber são criadores de mapas da realidade e filósofos populares com formação científica que falam sobre religião de maneira pós-moderna. Ao mesmo tempo, ambos os homens têm uma forte crítica aos aspectos mais patológicos do pós-modernismo e falam sobre as "sombras" do materialismo, feminismo e justiça social dentro da visão pós-moderna. E por causa de suas posições polêmicas fortes - e às vezes simplificações - são amadas e odiadas.

Peterson foi chamado de um autor de "auto-ajuda", para minimizar sua real profundidade como um pensador - isto é, quando ele não está sendo chamado de fascista - apesar de ter ensinado sobre os perigos do fascismo em toda a sua carreira. Da mesma forma, Ken Wilber é geralmente considerado um "guru da nova era", embora tenha uma forte crítica à nova era. O fato de seus livros venderam tão bem faz com que alguns acadêmicos o considerem um pensador menor, o que não acredito ser o caso. De qualquer forma, ambos os homens contribuíram maciçamente para o debate sobre a cultura em geral, e ambos têm uma visão evolucionista da ciência e da religião. Então, como eles diferem?

No ano passado, defendi Peterson por vários motivos, não somente por ter a ridícula descaracterização de seu trabalho como "alt-right". Mas agora que Peterson quebrou o “mainstream” - e tornou-se "maior que Jesus", por assim dizer - não precisa mais ser defendido. Portanto, gostaria de fazer uma crítica respeitosa sobre algumas de suas opiniões. Não queria fazer isso, já que acho o trabalho dele de uma importância imensurável. Elogiei Peterson “ad nausea” em meus ensaios anteriores e, incidentalmente, fui acusado de ser um "fan-boy" como resultado. Provavelmente fiz alguns progressistas ficarem mais sensíveis quando disse que Peterson é uma das poucas figuras públicas que estão "pegando fogo com o espírito santo". Mas mantenho essa frase antiquada.

Eu escutei e li muitas críticas sobre Peterson, muito poucas das quais eram imparciais, justas ou compreensivas - muito menos sábias ou compassivas. A primeira é de Jeff Salzman em seu podcast The Daily Evolver. Salzman analisa as ideias de Peterson através das lentes do pensamento "Integral" de Ken Wilber. "Integral" é uma teoria que tenta mapear tudo na consciência de uma forma que não jogue o bebê para fora com a água do banho. Claro, que a visão Integral é complexa e não posso fazer justiça aqui. Mas posso dizer que a integração entre ciência e alma, grosso modo, também tem sido a principal preocupação de Peterson - especialmente em seu livro seminal "Maps of Meaning".

Eu gostei da crítica sobre Peterson feitas por Salzman por alguns motivos, mesmo que ele não tenha mergulhado profundamente no trabalho mais complexo de Peterson. Primeiro de tudo por seu "tom". Salzman não se agita histericamente com medo e desprezo, ele não é nem um pouco desdenhoso ou condescendente. Ele faz o que Peterson nos diz para fazer o tempo todo, isto é: "separar o joio do trigo". Peterson pode estar certo ao atacar a invasão da teoria francesa na educação e a subsequente deterioração das humanidades. Precisamos retornar a uma visão tradicional da educação e viver de acordo com o que foi escrito no templo de Apolo no oráculo de Delfos: Conhece-te a ti mesmo. Precisamos ensinar as pessoas a ler, escrever, pensar e conversar - não apenas para se tornarem como a geração “snowflake” sobrecarregados de jargão, super sensíveis e guerreiros da justiça social feridos. 

No entanto, a posição de Salzman é que há também um lado virtuoso do pós-modernismo, juntamente com suas patologias facilmente desmascaradas. Ele sugere que Peterson está muito certo e, ao mesmo tempo, muito errado sobre o pós-modernismo. É claro que, pelo pós-modernismo, não quero necessariamente dizer apenas "desconstrucionismo francês" e suas teorias que o acompanham, mas sim todo o Zeitgeist de 1960, com seus belos e terríveis excessos, e como eles estão se apresentando na sociedade atual. Peterson - e Wilber há 20 anos - estão certos em criticar uma cultura de niilismo e narcisismo, que fala sobre direitos humanos, mas menos sobre responsabilidades humanas. Por um lado, eu não concordo com Salzman que Peterson é um alarmista - os perigos e patologias do pós-modernismo são reais e Peterson os articulou muito bem. Mas eu concordo que há algo que Peterson está deixando de fora.

Tome o politicamente correto, que não foi inventado ontem pela geração “snowflake" ou "guerreiros da justiça social". Salzman aponta corretamente que há correção política - ou ortodoxia extrema - em todos os principais estágios da evolução da sociedade. Por exemplo, em uma sociedade tradicional, seria politicamente incorreto insultar o rei e você poderia ser enforcado por isso. Em um cenário moderno, você pode perder sua bolsa de pesquisa e ser excomungado da academia se não professar uma visão materialista dogmática. (Veja Ted Talk banido de Rupert Sheldrake). E no ambiente pós-moderno, tente ir a um coquetel universitário e criticar qualquer aspecto da ciência do clima ou do feminismo. Você é necessariamente crucificado, não é?

Bem, na verdade não. Você não seria crucificado, apenas socialmente marginalizado. Isso porque o pós-modernismo, em sua manifestação saudável, traz tolerância real à mesa. Há caças às bruxas pós-modernas, certamente - mas elas empalidecem ao lado das caças às bruxas tradicionais ou até modernas. As sociedades tradicionais e modernistas são mais punitivas do que as pós-modernas. Além disso, sistemas complexos de tabus terríveis e castigos arbitrários foram quebrados pela tolerância pós-moderna. É claro que existe o perigo do caos em uma sociedade relativista - mas o perigo real é a reintegração do tradicionalismo rígido. Geralmente, o projeto pós-moderno foi bem sucedido na criação de um mundo mais aberto. Isso não quer dizer que o pós-modernismo não tenha suas próprias ortodoxias doentias - o que, de novo, está exposto brilhantemente por Peterson.

Wilber também faz uma boa demolição do pós-modernismo, mas ele não o considera uma aberração histórica, e sim um estágio necessário e vital da evolução. Aqui está sua crítica:

“Em suma, (pós-moderno/pluralismo) acredita que é universalmente verdade que não há verdades universais; Ele acredita que sua visão é superior, mas também acredita que não há pontos de vista superiores em nenhum lugar. Isso é chamado de “contradição de desempenho”, porque você mesmo está fazendo o que afirma que não pode ou não deve fazer.

Essa visão classificada qualquer classificação como sendo ruim; juízes julgando sua própria opressão; uma metanarrativa sobre por que as metanarrativas não são possíveis; afirma que é universalmente verdade que não há verdades universais; coloca hierarquias no nível mais baixo de sua hierarquia particular; e afirma que sua visão é superior em um mundo onde nada pode ser supostamente superior”.  (Wilber, Ken: The Religion of Tomorrow: A Vision for the Future of the Great Traditions)

Por enquanto, tudo bem. Peterson fez muitas das mesmas reivindicações que Wilber. Existe o perigo de uma visão totalitária em nome da tolerância pós-moderna, um novo maoismo que, em sua tentativa de aplainar as hierarquias, acaba por restabelecê-las de maneira assassina. O remédio de Peterson para recuperar a amnésia moderna é resgatar o pai, redescobrir a tradição, o indivíduo e as hierarquias de competência saudáveis. Obviamente, ele está certo. Mas isso é apenas metade da história. Os jovens podem estar perdendo valores tradicionais e precisam de "regras" para não se perderem em uma "planície" (termo de Wilber) de relativismo cultural, mas também são beneficiados por uma visão mais tolerante, diversa e mais gentil do que nunca. Como ilustração disso, a violência e o preconceito contra os gays não é mais aceitável entre os “millennials” - a homossexualidade não é apenas tolerada, mas celebrada em alguns círculos. Isso me parece uma conquista extraordinária.

O coração de Peterson, como diz Salzman, está motivado em redescobrir e reintegrar a tradição. Ele segue a máxima de T.S. Eliot: "o caminho a seguir é o caminho de volta". Mas o caminho a seguir é também o caminho a frente. A visão integral diz: sim, precisamos resgatar e integrar a tradição, mas também transcendê-la - "transcender e incluir" nos termos de Wilber. Sim, de fato precisamos resgatar o pai - mas também precisamos superá-lo. E o próprio Peterson, às vezes, incorpora esse mesmo pós-modernismo. Apenas o fato de ele falar sobre religião, mas não ir à igreja, indica uma certa liberdade pós-moderna para interpretar a realidade. Meu ponto é: você não pode verdadeiramente ir além do pós-modernismo sem antes integrar seus melhores aspectos (pluralismo, tolerância, direitos humanos, etc.), caso contrário sua visão pode inclinar-se para o reacionário.

Peterson não é um reacionário, só que às vezes eu o acho desnecessariamente conservador. Por exemplo, por que ele se mantém reservado em apoiar incondicionalmente o casamento gay no século 21? O que há a temer dos gays, pelo amor de Deus! Salzman, um homem gay, falou em seu podcast sobre como a experiência gay foi completamente sub-representada na cultura até recentemente - ele tem uma boa razão para defender o pós-modernismo. Não estou sugerindo que Peterson seja de algum modo intolerante ou homofóbico - não encontro nenhuma evidência para isso. No entanto, isso pode ser um ponto cego em seu pensamento.

Jeff Salzman, como um homem gay, é generoso em enfatizar que Peterson está fazendo um bem para os jovens que são desprovidos dos benefícios do tradicionalismo. Ele também entende a crítica de Peterson aos efeitos negativos do pós-modernismo, especialmente em homens jovens. Muitos homens hoje são informados de que são responsáveis ​​por todos os males do mundo. Dizem-lhes que a testosterona é um veneno, que todos eles são potenciais estupradores, que são ensinados a serem suaves e complacentes, excessivamente apologéticos - eles reprimem uma certa masculinidade obscena que não é apenas necessária, mas bonita. A celebração da masculinidade de Peterson é muito apropriada, na minha opinião.

Salzman também percebe a "sensibilidade" de Peterson - sua emotividade às vezes - que eu vejo como extremamente saudável em um mundo de mídias de massa e de intelectos desencarnados com cabeças falantes. A paixão e a emotividade sem medo de Peterson são uma das razões pelas quais as pessoas gostam tanto dele. Mas a sensibilidade dele não é um pouco "pós-moderna"? Afinal, não foi o modernismo (ou o capitalismo implacável) que ensinou os homens a serem sensíveis. Peterson tem um forte lado feminino, um afeto quase maternal para com os homens jovens. Como eu disse em um ensaio anterior: ele não é tão "binário" ou hiper-masculino quanto parece, e quem gostaria que ele fosse? Ele parece se dar bem com os tipos representados por Camille Paglia e Russell Brand, por exemplo.

No estágio integral do desenvolvimento, de acordo com Wilber, você é capaz de perceber as virtudes de todos os estados anteriores, transcendê-los e incluí-los. Mas antes de chegar lá é quase impossível entender o estágio "superior". Como você diz a uma pessoa tribal, por exemplo, o que uma nação significa? Ou a um conservador porque o casamento gay é uma boa ideia? Pessoas em diferentes estágios de desenvolvimento não se entenderão! Um conservador é um extraterrestre para um progressista e vice-versa. Nos estágios anteriores, você é incapaz de ver além de sua própria orientação, seja tribal, tradicional, moderno ou pós-moderno. Mas no estágio integral de Wilber (que ele chama de segundo nível) você é capaz de integrar todos os estágios anteriores. Por exemplo, você poderia ser um ambientalista e apoiar os direitos dos homossexuais, e ainda ser um frequentador da igreja ortodoxa e respeitar a tradição - não há problema. E ninguém vai te queimar na fogueira se você não for à igreja.

Idealmente, no estágio integral, você realmente transcendeu a política de identidade, a ideologia e a correção política, e todas as tendências totalitárias dos estágios anteriores - você separou o joio do trigo. E o pós-modernismo é um estágio necessário para chegar lá, com um lado saudável e outro patológico. Jeff Salzman está certo em dizer que Peterson ainda não está pronto para integrar o pós-modernismo, mesmo que ele seja na verdade bastante pós-moderno em muitos aspectos? No entanto, isso pode não ser necessariamente uma coisa "ruim". Peterson está fazendo um mundo de virtudes para aqueles que precisam de regras, tradição e ordem em suas vidas - antes que possam entrar no caos fértil da experimentação pós-moderna.

De qualquer forma, todos nós temos nossa sombra, ou ponto cego. Qual é a sombra de Peterson? O ouro do dragão, como Peterson disse, está no último lugar que você quer procurar. O último lugar que Peterson quer ver está no mundo pós-moderno, focado em resgatar a tradição e a razão, ou o pai no fundo do oceano.

Para concluir, aqui está o meu cartão de pontuação: Como criador de mapas e um pensador universal Ken Wilber vence. Como um psicólogo de profundidade e um comunicador, Jordan Peterson tem uma liderança explosiva. Mas no mundo pós-moderno, não é sobre competição que estamos tratando certo? Em um mundo Integral, no entanto, podemos desfrutar desse espírito masculino competitivo, sem sermos chauvinista por causa disso.

Nota do Tradutor: O texto foi adaptado e revisado a partir da versão preliminar fornecida pelo Google Tradutor (translate.google.com.br).

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