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O problema do mal revisitado: uma impossível teodiceia?

Por L.C. Dias  

“Enquanto a raiz da iniquidade estiver oculta, ela será dominadora. Mas quando for reconhecida, será dissolvida. Quando for revelada, perecerá... É poderosa porque não a reconhecemos.”
Philip K. Dick

“Como poderíamos aceitar uma noção como a de evolução espiritual se deparamos com sinais cortantes como Auschwitz, Hiroshima, Wounded Knee, Gulag, Chemobyl; se os nomes de Hitler, Mussolini, Stalin, Pol Pot e Amin estão marcados a fogo na carne da modemidade, e as cicatrizes ainda estão lá, para que todos possam ver?”
Ken Wilber

"A injustiça em qualquer lugar é uma ameaça à justiça em todo lugar. Estamos presos em uma rede inescapável de mutualidade, amarrados em uma única vestimenta do destino. Qualquer coisa que afete um diretamente, afeta todos indiretamente. Aquele que aceita passivamente o mal está tão envolvido nele quanto aquele que ajuda a perpetrar isso. Aquele que aceita o mal sem protestar contra ele está realmente cooperando com ele."
Martin Luther King Júnior

“Conseqüentemente: aquele que quiser possuir
O certo sem o errado,
A ordem sem a desordem,
Não percebe os princípios
Do céu e da terra.
Ele não percebe como
as coisas se unem.“ 

Chuang-Tzu 

Qual o propósito de resgatar uma questão filosófica superada, esquecida, cujo interesse pode estar restrito, somente, a teólogos, rabinos e mulás? Como justificar uma reflexão séria e atualizada sobre o paradoxo do mal no contexto da pós-modernidade? Como lidar com o banimento acadêmico desta questão, desde que Nietzsche anunciou a morte do Deus mítico? 

Talvez a resposta mais direta seja aquela dada por Jean-Paul Sartre: 
O pior mal é aquele ao qual nos acostumamos.
Com certeza o tema pode ser abordado por diversas perspectivas, sendo as mais comuns a filosófico-teológica e a mítico-psicológica. Mas a intenção deste breve ensaio é ir além destas perspectivas usuais, ao encontro de uma visão mais abrangente do problema, que satisfaça tanto a razão quanto o coração. 

Com esta proposta em mente, vamos iniciar a nossa reflexão com o seguinte paradoxo formulado pelo filósofo grego Epicuro: 
Deus deseja prevenir o mal, mas não é capaz?
Então não é onipotente.
É capaz, mas não deseja?
Então é malevolente.
É capaz e deseja?
Então por que o mal existe?
Não é capaz e nem deseja?
Então por que lhe chamamos Deus?
Vivendo no terceiro século antes da era cristã, Epicuro foi um dos primeiros pensadores da antiguidade a argumentar, logicamente, sobre a existência do mal perante um deus que seja ao mesmo tempo onisciente, onipotente e benevolente. Este dilema lógico é conhecido até hoje como o paradoxo de Epicuro. 

A busca de justificar, à luz da razão, o mal, ou seja, a tentativa de lidar com esse tripé “Deus todo-poderoso”, “Deus todo-amoroso” e “existência do mal” de maneira a mostrar que, a despeito do mal, Deus continua justo, bom e poderoso, foi historicamente denominada Teodiceia. A palavra foi cunhada, em 1710, pelo filósofo alemão Gottfried Leibnitz. Seu sentido é “justificação de Deus”. 

Portanto, trata-se de uma questão eminentemente teológica, restrita às religiões abraâmicas ou monoteístas, onde viceja a crença em um único Deus, onipotente, onipresente, fonte suprema de toda bondade e justiça, criador de todas as coisas. 

Porém, precisamos enfatizar que tal paradoxo não é uma questão pertinente às tradições sapienciais não teístas, como por exemplo, o Budismo e o Taoísmo, pois budistas e taoístas não acreditam em um Deus todo-poderoso e amoroso cuja a existência necessite de justificação. 

No entanto, a busca por uma explicação para o sofrimento é universal. Sendo uma das facetas mais sombrias e desconcertantes deste mistério, o sofrimento perpetrado intencionalmente pelo próprio ser humano contra seus semelhantes e demais formas de vida. 

Este tema perturbador está presente nos mitos ancestrais das diversas culturas e muitas vezes vem associado à narrativa de uma queda espiritual da humanidade, a perda do paraíso ou o fim de uma idade de ouro, conforme nos esclarece Heinberg: 

“Que é o mal? É o sofrimento, ou a causa do sofrimento? Em qualquer um dos casos, pode-se dizer que o mal é inerente à Natureza, à rapinagem, à decadência, à doença, à fome. Não obstante, em todas as culturas e idades as pessoas adotaram a crença de que no mundo humano existe outra espécie de mal, profundamente desnatural. Podemos procurar na Natureza a origem das tendências humanas para o desperdício, a guerra, a cobiça e os impulsos turbulentos para possuir, dominar e matar, mas nenhuma analogia clara se sugere. Os males da Natureza tendem a existir em equilíbrio, servindo a pilhagem e a fome para mitigar o excesso de população, ao passo que a versão humana do mal, aparentemente, não conhece limites. Desde os tempos mais recuados, os seres humanos acreditaram existir em si mesmos uma qualidade que os mantêm apartados dos animais- uma qualidade… que se manifesta como um sentido de alienação e insuficiência, e como uma capacidade anormal para a destruição e a crueldade. 

Insistiam os povos antigos em que o mal, neste último sentido, nem sempre existiu, e atribuíram-lhe uma causa específica. Em seus mitos, o mal, que é peculiar à humanidade, se descreve como resultante da Queda - o trágico evento que acabou com a Idade de Ouro. Diziam eles que a natureza humana não é natural, porque foi deformada por algum erro ou malogro fundamental, que se perpetuou geração após geração. 

Toda religião começa com o reconhecimento de que a consciência humana foi separada da Fonte divina, de que se perdeu um sentido anterior de unidade com a base do Ser, e de que somente por um processo de purificação e transcendência podemos ser religados à dimensão sagrada. Seja a culpa judaico-cristã pelo pecado de Adão e Eva no Jardim, seja a nostalgia taoísta do tempo em que o Caminho do Céu ainda não fora corrompido pelos caminhos do homem, seja a tristeza dos africanos vendo os animais traídos pela humanidade, em toda a parte, na religião e no mito, há um reconhecimento de que nos afastamos de um estado original de sábia inocência e só poderemos voltar a ele através da resolução de alguma profunda discórdia interna.” (1) 

Agora, vejamos o comentário de Heinberg sobre a narrativa mítica com maior influência sobre a formação da civilização ocidental: 

”Como vimos, a narrativa do Gênesis atribui a Queda ao comer do fruto de uma árvore específica -árvore da Ciência do Bem e do Mal. Essa árvore ‘era agradável aos olhos e desejável para dar entendimento’. O ato de comer-lhe o fruto fez que se abrissem os olhos de Adão e Eva, ‘e eles perceberam que estavam nus’. 

Poucas passagens na literatura mundial provocaram mais especulação do que esta. Por que era proibida a árvore da ciência do Bem e do Mal? Poderíamos até pensar que Deus desejasse que os seres humanos permanecessem ignorantes. Essa interpretação inspirou seitas gnósticas, assim como filósofos do porte de Kant e Schiller, a sugerir que a serpente, na realidade, fora a benfeitora da humanidade, a portadora do conhecimento. Mas que espécie de conhecimento é esse? Será ele, como insinuaram muitos teólogos, o conhecimento do sexo (que leva o casal original a reconhecer a sua nudez), ou o conhecimento discriminativo geral do certo e do errado? 

A história supõe a existência de dois gêneros de mal - um inerente à Natureza, encerrado na própria árvore da Ciência, e um criado pelo ato de desobediência expresso no comer da árvore. É o último que leva Adão e Eva a esconderem-se da presença do Senhor. De mais disso, quando o Senhor chama Adão e pergunta: "Onde estás?", eles procuram fugir à responsabilidade. Adão põe a culpa em Eva, e Eva põe a culpa na serpente. Não tendo ninguém em quem pôr a culpa, a serpente recebe a primeira maldição. 

O primeiro gênero de mal - o que cresceu como fruto na árvore - é anterior à escolha moral. É o mal a que Jó se refere quando diz: "O quê? Receberemos o bem da mão de Deus, e não receberemos o mal?" A teologia hindu reconhece a complementaridade do bem e do mal pré-morais reverenciando igualmente Brahma, o Criador e Xiva, o Destruidor. As tradições dos nativos americanos, chineses e japoneses, em seus vários modos, também concordam em que, na Natureza, assim o crescimento como a decadência, a completude e a incompletude, existem como parceiros essenciais no processo criativo. 

O segundo gênero de mal - o mal moral, que é o único da humanidade - nasce do julgamento das qualidades e pares de opostos inerentes à Natureza e do apego emocional a categorias e distinções. O existir no mundo físico, em si mesmo e por si mesmo, de vez em quando produz sofrimento, mas é um sofrimento contido no fluxo e refluxo dos ciclos e processos naturais. Um sofrimento contido inteiramente no momento presente. A mente humana produz outro tipo de sofrimento, que tem por base a expectativa e a memória, a cobiça e o medo. É o sofrimento da separação e da alienação, nascido do apego da mente às suas próprias categorias artificiais de discriminação e à projeção que faz dessas categorias no mundo. Este segundo mal é desnatural; sua origem foi a Queda.“ (2) 

Experiências Transpessoais do Mal 

Além da abordagem mítica, alguns relatos de experiências de níveis transpessoais de consciência, alcançados através da utilização da respiração holotrópica, método terapêutico criado pelo psiquiatra tcheco Stanislav Grof - mais conhecido como um dos pais da psicologia transpessoal -, corroboram, de certa forma, muitas dessas visões míticas arcaicas: 

“A compreensão final e a aceitação filosófica do mal sempre parece envolver o reconhecimento de que ele tem um papel importante ou até mesmo necessário no processo cósmico. Por exemplo, os insights profundos de realidades fundamentais que são alcançáveis nos estados holotrópicos podem revelar que o mal é um elemento essencial no drama universal. 

Como a criação cósmica é creatio ex nihilo, criação proveniente do nada, ela precisa ser simétrica. Tudo o que vem à existência precisa ser contrabalançado pelo seu oposto. Desta perspectiva, a existência de polaridades de todos os tipos é um pré-requisito absolutamente indispensável à criação dos mundos dos fenômenos. Este fato tem seu paralelo nos experimentos e especulações dos físicos modernos sobre a matéria e a antimatéria. Agora pensa-se que nos primeiros momentos do universo, as partículas e as antipartículas estavam presentes em números iguais. 

Vimos anteriormente que um dos "motivos" para a criação parece ser a "necessidade" do princípio criativo de conhecer-se, para que "Deus possa ver Deus" ou "a Face possa contemplar a Face". Na medida em que o divino cria para explorar seu próprio potencial interno, a não expressão da extensão total deste potencial significaria um autoconhecimento incompleto. E se a Consciência Absoluta é também o Artista, Experimentador e Explorador supremo, a riqueza da criação ficaria comprometida se algumas opções significativas fossem deixadas de fora. Os artistas não limitam seus tópicos àqueles que são belos, éticos e enaltecedores. Eles retratam quaisquer aspectos da vida que proporcionem imagens interessantes ou prometam histórias intrigantes. A existência do lado sombrio da criação realça seus aspectos luminosos provendo contraste e confere extraordinária riqueza e profundidade ao drama universal.” (3) 

Seguindo com a exposição de Grof sobre as experiências holotrópicas: 

“Algumas das pessoas que vivenciaram um encontro pessoal com o Mal Cósmico tiveram alguns insights interessantes sobre sua natureza e função na trama universal das coisas. Elas notaram que este princípio está intrincadamente entrelaçado na tecedura da existência e que ele permeia todos os níveis da criação através de formas cada vez mais concretas. Suas várias manifestações são expressões da energia que fazem com que as unidades dissociadas de consciência sintam-se separadas umas das outras. Ele também as aliena da fonte cósmica, a Consciência Absoluta indiferenciada. E assim ele evita que elas se conscientizem de sua identidade essencial com esta fonte e também de sua união básica umas com as outras. 

Deste ponto de vista, o mal está intimamente ligado ao dinamismo ao qual me referi mais cedo como "dissociação cósmica”, “isolamento", ou "esquecimento". Como o jogo divino, o drama cósmico é inimaginável sem protagonistas individualizados, sem distintas entidades separadas, a existência do mal é absolutamente essencial à criação do mundo tal o conhecemos. Esta compreensão basicamente concorda com a noção encontrada em algumas escrituras místicas cristãs, segundo as quais o anjo caído Lúcifer (literalmente "Condutor de Luz"), como um representante de polaridades, é visto como uma figura demiúrgica. Ele leva a humanidade numa jornada fantástica para o mundo da matéria. Abordando esta questão desde outra perspectiva podemos dizer que, em última análise, o mal e o sofrimento baseiam-se numa falsa percepção da realidade, particularmente na crença que os seres animados têm de ser um ego individual e separado. 

Este insight forma uma parte essencial da doutrina budista do anatta (o não-eu). O insight de que o mal é uma força separatista no universo também ajuda a compreender certas seqüências e padrões típicos experienciados em estados holotrópicos. Assim, as experiências extáticas de unificação e expansão de consciência são freqüentemente precedidas por encontros fragmentadores com as forças da escuridão, na forma de figuras arquetípicas maléficas, ou pela visão de cenas demoníacas. Geralmente isto é associado a um extremo sofrimento físico e emocional. O exemplo mais notável que ilustra esta conexão é o processo de morte e renascimento psicoespirituais, no qual as experiências de agonia, terror e aniquilação por divindades coléricas são seguidas por uma sensação de reunião com a fonte espiritual. Esta conexão parece ter encontrado uma expressão concreta nos templos budistas japoneses, tais como o esplêndido Todaiji em Nara, onde tem-se que passar por figuras aterradoras de guardiões furiosos antes de entrar no interior do templo e ficar de frente à radiante imagem do Buda.” (4) 

Teodiceia Gnóstica 

Dando continuidade a esta breve exposição, vamos explorar um pouco mais o universo mítico associado ao tema. Vejamos a posição do gnosticismo, tradição eminentemente dualista, frente ao problema do mal, nas palavras de Stephan Hoeller, um dos maiores especialistas do assunto na atualidade: 

“Como já foi mencionado, uma maneira de explicar a existência do mal seria o dualismo radical, do qual a fé zoroastriana gnóstica é um exemplo. A posição gnóstica, em contraste, pode ser chamada de dualismo qualificado. Esta posição não postula um estado de guerra entre uma deidade boa e uma deidade má, como faz o dualismo radical. Para explicar em termos simples esta visão, o bem e o mal estão misturados no mundo manifesto; o mundo não é totalmente mau, mas também não é totalmente bom. O mal no mundo não deve nos cegar para a presença do bem, nem o bem deve nos cegar para a realidade do mal. 

Os próprios gnósticos escolhiam a mitologia como um meio para expressar os insights profundos. Existem mitos relatando a mistura do bem e do mal na criação anterior aos gnósticos. Uma destas histórias é o mito grego de Dionísio. Quando este deus foi dilacerado pelos Titãs, Zeus veio em seu auxílio e destruiu seus atacantes com um raio. Os corpos dos Titãs e de Dionísio foram reduzidos a cinzas e misturados. Destas cinzas surgiram todos os tipos de criaturas, incluindo os humanos, e a natureza divina de Dionísio foi misturada com a natureza maligna dos Titãs. Por isso luz e trevas estão em guerra entre si na natureza humana e no mundo natural. 

Os gnósticos tinham o seu próprio mito a respeito das origens do bem e do mal. Ele começa com uma Plenitude ilimitada, bem-aventurada - o Pleroma -, que está além de toda existência manifesta. O Pleroma é tanto a morada quanto a natureza essencial do Deus Último e Verdadeiro (alethes theos). Antes do tempo e antes da memória, esta Plenitude inefável estendeu-se para as regiões inferiores do ser. No curso desta emanação, ela se manifesta em várias divindades intermediárias, demiúrgicas que eram como grandes anjos, dotados de grande criatividade e organização. Alguns destes seres, contudo, alienaram-se de sua fonte sobrenatural e assumiram tendências para o mal. Criaram um mundo físico bem antes da criação dos humanos e os criaram à semelhança de suas próprias naturezas imperfeitas. 

Desta forma, a vontade que criou o mundo foi maculada com a vontade pessoal, arrogância e fome de poder; através dos trabalhos realizados por estes seres alienados, o mal pôde penetrar na criação. Desde então, como disse o professor gnóstico Basilides, "O mal adere à existência criada, assim como a ferrugem adere ao ferro". Como parte da criação, os seres humanos também refletem a natureza falha dos criadores. O corpo humano está sujeito a doenças, morte e outros males; mesmo a alma (psyque) não está livre das imperfeições. Somente o espírito (pneuma), escondido bem no interior da essência humana, permanece livre do mal e tende para o Deus Verdadeiro.” (5) 

Gnosticismo Atualizado 

Muitas versões desta teodiceia gnóstica foram elaboradas e atualizadas para a modernidade. Um dos exemplos mais notáveis deste renascimento pode ser vislumbrado na filosofia do visionário italiano Pietro Ubaldi, onde o dualismo gnóstico é superado por uma visão monista mais abrangente: 

“O filósofo da Nova Era ensina-nos que o universo relativista em que vivemos, entretecido em tempo e espaço, energia e matéria, é uma criação deteriorada, produto de uma contração espiritual que se denominou queda do espírito. E essa criação deteriorada em que vivemos, Ubaldi chamou de Anti-Sistema (AS), por achar-se nos antípodas do universo original, o divino, por ele denominado Sistema (S). Essa queda foi motivada, resumidamente e até onde nossa razão pode alcançar, pela inadequada opção do espírito em vivenciar intensamente o egoísmo. (...) 

Segundo a proposição de Ubaldi, e como aferido pela antiga tradição cristã, a evolução somente se justifica para seres que optaram pela revolta contra o amor. E evolução então, como um movimento de expansão do ser, seria nada mais que a reação a uma anterior avulsão de contração de potencialidades.

Os detalhes dessa queda nos escapam na atualidade, pois ela extrapola o nosso concebível por haver ocorrido fora do tempo e do espaço, muito além do que pode a nossa parca razão atual alcançar. Apenas sabemos que ela se tornou possível na criação original por havermos sido gerados com o princípio de autonomia.” (6) 

Nas palestras do Guia, canalizadas por Eva Pierrakos, vamos nos deparar com mais uma explicação de caráter mítico-gnóstica: 

“Em resumo, eu expliquei como, muito antes da existência do mundo material, uma parte dos seres criados que haviam sido dotados de livre arbítrio e também de um certo poder, abusaram desse poder. Expliquei como isso aconteceu, muito lentamente. A queda dos anjos, como é chamado esse acontecimento, aconteceu muito lentamente – poderíamos dizer que foi um lento processo de degeneração, no qual tudo que era divino, muito lenta e gradualmente, se transformou em seu aspecto oposto. E com isso houve uma separação entre os que abusaram e os que não abusaram do poder. Já disse muitas vezes – e isso se aplica a todos os seres, espirituais ou humanos – que as suas atitudes, opiniões, sentimentos e pensamentos criam os mundos espirituais, mesmo que vocês ainda vivam na terra. Assim, cada um de vocês cria um mundo, que será seu. Da mesma forma, os espíritos que participaram da queda criaram novos mundos de acordo suas atitudes mudadas – mundos escuros, mundos que muitas vezes são designados o inferno. As atitudes de desarmonia e ódio criaram formas correspondentes. Não existe uma possibilidade apenas a esse respeito. (...) 

Como um dos mais importantes aspectos divinos é o livre arbítrio e a liberdade de escolha, ele precisava também transformar-se em seu oposto! O primeiro espírito a sucumbir à tentação do abuso do poder, que às vezes é chamado Lúcifer, ou Satanás, ou Demônio, que influenciou e levou outros a segui-lo, naturalmente seria o primeiro desse novo mundo que passou a existir. E ele exercia poder total sobre seus seguidores e, ao contrário de Deus, usava esse poder. Deus dá a liberdade de escolha, e isso tem mais importância do que a maioria de vocês percebe. Com essa liberdade, existe necessariamente a possibilidade de abusar do poder dado, de usá-lo contrariamente às leis divinas. Não pode haver felicidade divina, na verdade não pode haver nenhuma divindade, se ela não puder ser atingida ou mantida por livre escolha. Da mesma forma, o oposto de Deus e Suas leis é, naturalmente, a proibição dessa livre escolha e o domínio dos mais fracos pelos mais fortes. 

Esse estado de coisas parecia insolúvel no que diz respeito à salvação dos seres caídos. Pois mesmos que eles chegassem a ponto de desejar voltar a Deus, não teriam o poder para fazê-lo, pois estavam sob o domínio daquele que reina no mundo da escuridão. Por um lado, como poderia Deus não quebrar Suas próprias leis e salvar os seres que ansiavam por Ele? Se Ele usasse seu poder infinito, passando por cima do livre arbítrio e da opção daqueles que decidiram usar o poder concedido a seu próprio modo, na verdade Ele agiria, em princípio, como Lúcifer. Aqui, mais do que em tudo o mais, era da máxima importância manter o princípio divino. Permanecer fiel a Si mesmo e a Suas leis representava a diferença fundamental entre a maneira de Deus e a maneira de Lúcifer. Como, de acordo com o plano de Deus, toda criatura deve em algum momento voltar a Ele, por livre escolha, e reconhecer e reconquistar a divindade, era imperioso que Ele não usasse os mesmos meios de força que Seu adversário, mesmo que o fim fosse bom. Não é só o fim o que importa, os meios também importam! Somente a fidelidade a esses princípios poderia permitir ao mais teimoso dos seres caídos, um dia, enxergar a enorme diferença entre as duas posturas e a dignidade desses princípios divinos, mesmo que isso significasse um caminho de sofrimento para aqueles que desejassem sair dessas circunstâncias penosas, criadas por eles mesmos. Como a vida espiritual tem relação direta com a harmonia interior, a iluminação e a atitude geral, os espíritos que haviam se tornado desarmônicos não podiam simplesmente ser “colocados” num mundo de harmonia, como se viaja para um belo país. Em termos de espírito, o país é você, é o seu produto. Portanto, os espíritos que caíram precisavam e precisam atingir um estado em que, naturalmente, produzam outra vez mundos harmoniosos. É natural que isso só pode ser conseguido através do mesmo processo lento de desenvolvimento que caracterizou a queda e sua degeneração. E também precisa acontecer por livre escolha, como agora vocês já entendem, de modo que perguntas como “por que Deus não eliminou o mal?”, etc., não são mais cogitadas por vocês. Por outro lado, era preciso encontrar meios para que as criaturas que quisessem voltar para Deus e manter Suas leis, e não as leis de Lúcifer, pudessem fazê-lo no âmbito das leis de Deus, segundo as quais não se deve limitar o livre arbítrio de ninguém, nem do próprio Lúcifer. E esse é o grande plano de salvação, no qual Cristo desempenhou o maior papel.” (7) 

A Nova Mitologia da Matrix 

Este despertar contemporâneo pelo gnosticismo, talvez indique a necessidade de suprir de sentido um segmento significativo da humanidade, principalmente no ocidente, que clama por alimento espiritual. Esta renovada concepção da realidade, de vertente arquetípica, está dando corpo a uma mitologia profundamente influenciada pelas obras de ficção científica, com fortes traços maniqueístas, com destaque especial a trilogia cinematográfica Matrix, que vem enriquecendo de sentido uma geração subjugada pelo materialismo, relativismo e individualismo próprios da cultura pós-moderna globalizada. 

Como exemplo da poderosa influência deste renascimento mítico, cito a seguinte visão de uma possível realidade virtualmente construída para nos escravizar e explorar, que vem conquistando o interesse de um conjunto cada vez maior de pessoas comprometidas com o despertar da humanidade para um novo modo de vida neste planeta: 

"O que é a Matrix? Escola ou prisão, depende da perspectiva escolhida. Por um lado, é um sistema de ensino hiper-dimensional que acelera o seu ritmo de evolução espiritual, proporcionando-lhe experiências catalíticas em resposta aos seus pensamentos, emoções e status espiritual. Por outro lado, muitas dessas experiências se manifestam como forças predatórias que atacam suas fraquezas. Naturalmente, a única maneira de evitar ser manipulado por essas forças é descobrir, integrar e transformar suas fraquezas em forças, realizando indiretamente o propósito mais elevado da Matrix, que é ajudá-lo a transcendê-la. Não obstante, essas forças predatórias possuem livre arbítrio e têm sua própria agenda, que é expandir sua base de poder e sustentar-se alimentando-se das energias emocionais da humanidade, bem como impedindo que qualquer pessoa se conscientize o suficiente para adicionar influências desestabilizadoras à prisão espiritual que foi gerada na Terra. A soma total de seu sistema de manipulação hiperdimensional pode ser chamada de “Sistema de Controle da Matrix”. É uma escola de duros golpes que enfraquece os espiritualmente fracos e fortalece os espiritualmente fortes, de acordo com sua escolha de serem vítimas ou guerreiros.” (8) 

Esta visão está em consonância com os ensinamentos ministrados por Gurdjieff nas primeiras décadas do século passado: 

“Há mil coisas que impedem um homem de despertar, o que o mantém no poder de seus sonhos. Para agir conscientemente com a intenção de despertar, é necessário conhecer a natureza das forças que mantêm o homem em um estado de sono. Antes de mais nada, deve-se perceber que o sono em que o homem vive não é normal, mas um sono hipnótico. O homem é hipnotizado e esse estado hipnótico é continuamente mantido e fortalecido nele. Alguém poderia pensar que existem forças para as quais é útil e lucrativo manter o homem em um estado hipnótico e impedi-lo de ver a verdade e entender sua posição.” (9) 

Na verdade, todos esses relatos míticos buscam revelar a existência de forças adversas que, desde o alvorecer da humanidade, conspiram, nos bastidores da vida, contra a liberdade, a fraternidade e a paz entre os povos. 

Esta visão é corroborada pelos ensinamentos dados pelo xamã mexicano Don Juan sobre os “predadores invisíveis” da humanidade. Don Juan, nos livros de Carlos Castaneda, fala sobre a humanidade ser mantida dentro de um nível de consciência mais baixo - uma espécie de prisão - que gera vibrações emocionais negativas das quais o predador se alimenta: 

“Quero apelar para sua mente analítica. Pense por um momento e diga-me como explicaria a contradição entre a inteligência do homem, seu engenho, e a estupidez de seus sistemas de crenças; ou a insensatez de seu comportamento contraditório.

Os xamãs acreditam que os predadores nos deram nossos sistemas de crenças; nossas idéias do bem e do mal; nossos costumes sociais. Os predadores são aqueles que criam nossas esperanças e expectativas e sonhos de sucesso ou fracasso. Eles nos deram cobiça, ganância e covardia. São os predadores que nos tornam complacentes, rotineiros e egocêntricos.

‘Mas como eles podem fazer isso, don Juan?’ Eu perguntei, de alguma forma irritado com o que ele estava dizendo. ‘Eles sussurram tudo isso em nossos ouvidos enquanto dormimos?’

‘Não, eles não fazem assim. Isso é idiota!’, Disse don Juan, sorrindo. Eles são infinitamente mais eficientes e organizados do que isso. A fim de nos manter obedientes, mansos e fracos, os predadores se empenharam em uma manobra estupenda - estupenda, é claro, do ponto de vista de um estrategista de combate; uma manobra horrenda do ponto de vista de quem sofre. Eles nos deram a mente deles! Você me ouve? Os predadores nos dão a mente deles que se torna nossa mente.” (10) 

Da mesma forma, Bernhard Guenther, criador do portal virtual “Piercing the Veil of Reality”, defende a mesma posição: 

“Há mais na nossa realidade do que os nossos cinco sentidos podem perceber. Nós não somos a "criação suprema de Deus", nem estamos no auge da escala evolucionária. Nossa realidade está inserida em um sistema complexo de mundos invisíveis e controlada por cidadãos de uma realidade superior. As forças em questão não são boas, e não estamos no topo da cadeia alimentar. "Comida" não precisa ser física, e certos seres se alimentam de nossas emoções e energia; predominantemente, caos, guerras, energia sexual distorcida, turbulência emocional e medo, que eles iniciam e criam, trabalhando através de nós. Vários ensinamentos esotéricos antigos falam sobre um “Sistema de Controle de Matriz Hiperdimensional”, cada um à sua maneira, que influencia e controla a humanidade por milênios.” (11) 

Outras variações desta mitologia da Matrix podem ser encontradas em diversas canalizações da Nova Era. Neste enredo alternativo, as “sementes” alienígenas do mal foram implantadas no ser humano em algum momento do seu processo evolutivo: 

"Por influências galácticas ou extraterrestres, queremos dizer influências de energias coletivas associadas a certos sistemas estelares, estrelas ou planetas. No universo, existem muitos níveis ou dimensões de existência. Um planeta ou estrela pode existir em várias dimensões, que variam de dimensões materiais até as mais etéreas. Em geral, as comunidades galácticas que influenciaram as almas terrestres existiram em uma realidade menos “densa” ou material do que aquela na qual vocês existem na Terra. 

Os reinos galácticos eram habitados por almas amadurecidas, que nasceram muito antes que as almas terrestres, e que estavam no começo do seu estágio do ego. Quando a Terra tornou-se habitada por toda forma de vida, e finalmente pelo homem, os reinos extraterrestres observaram este desenvolvimento com grande interesse. A diversidade e abundância de formas de vida chamaram sua atenção. Sentiram que algo especial estava acontecendo aqui. Havia muito tempo que estavam ocorrendo muitas lutas e batalhas entre as diferentes comunidades galácticas. Num certo sentido, isso era um fenômeno natural, já que a consciência das almas envolvia a necessidade de batalha para descobrir tudo a respeito do “centramento no eu” e do poder. Elas estavam explorando os trabalhos do ego e, à medida que “progrediam”, tornavam-se versadas na manipulação da consciência. Elas se tornaram peritas em subordinar outras almas ou comunidades de almas às suas regras, por meio de ferramentas psíquicas sutis e não tão sutis. (...) 

O modo como as comunidades galácticas procuraram exercer sua influência sobre a Terra foi por através da manipulação da consciência das almas terrestres. As almas terrestres ficaram particularmente receptivas à sua influência quando entraram na etapa do ego. Antes disso, elas eram imunes a qualquer força externa motivada pelo poder, porque elas próprias não tinham nenhuma inclinação a exercer o poder. Vocês são imunes à agressão e ao poder, quando dentro de vocês não existe nada a que estas energias possam agarrar-se. Portanto, as energias galácticas não puderam acessar a consciência das almas terrestres, antes que estas almas decidissem elas mesmas explorar a energia do poder. A transição para o estágio do ego tornou as almas terrestres vulneráveis porque, além da sua intenção de explorar a consciência do ego, elas ainda eram muito inocentes e ingênuas. Portanto, não foi difícil para os poderes galácticos impor suas energias à consciência das almas terrestres. O modo como eles agiram foi através da manipulação da consciência ou controle mental. 

Suas tecnologias eram muito sofisticadas. Eles tinham principalmente ferramentas psíquicas, não muito diferentes da lavagem cerebral através da sugestão hipnótica subconsciente. Trabalhavam nos níveis psíquico e astral, mas influenciavam o homem até o nível material/físico do corpo. Eles influenciavam o desenvolvimento do cérebro humano, limitando a quantidade de experiências disponíveis para os seres humanos. Essencialmente, eles estimulavam padrões de pensamento e emoções baseados no medo. O medo já estava presente na consciência das almas terrestres como resultado da dor e saudade que toda alma jovem traz dentro de si. Os poderes galácticos tomaram este medo existente como seu ponto de partida para ampliar enormemente a energia de medo e subserviência nas mentes e emoções das almas terrestres. Isto lhes permitiu controlar a consciência humana. (...) 

O tenro sentido de individualidade e autonomia das almas da Terra foi cortado em seus primórdios por esta violenta intervenção, esta guerra pelo coração da humanidade. Entretanto, os interventores galácticos não puderam verdadeiramente privar as almas da Terra de sua liberdade. Por mais massiva que tenha sido a influência extraterrestre, a essência divina dentro de cada consciência de alma individual manteve-se indestrutível. A alma não pode ser destruída, embora sua natureza livre e divina possa ficar velada por um longo tempo. Isto está relacionado com o fato de que o poder, no fim das contas, não é real. O poder sempre alcança seu objetivo através das ilusões do medo e da ignorância. Ele pode somente esconder e velar as coisas; não pode verdadeiramente criar ou destruir nada. Além do mais, este verdadeiro ataque às almas terrestres não trouxe apenas escuridão à Terra. (...) 

Na era do Cro-Magnon, os pleiadianos interferiram no desenvolvimento natural do homem em um nível genético. Essa interferência genética deveria ser concebida como o auge do processo de manipulação: eles imprimiam o cérebro/consciência humano com determinadas formas de pensamentos que afetavam a camada física, celular do organismo. O efeito dessas impressões mentais era que um elemento robótico, mecânico, era instalado no cérebro humano, o que tirava parte da força natural e da auto-consciência do ser humano. Era um implante artificial que tornava o homem mais adequado como instrumento para as metas estratégicas dos pleiadianos. 

Ao interferirem deste modo no desenvolvimento da vida na Terra, os pleiadianos violaram o curso natural das coisas. Eles não respeitaram a integridade das almas terrestres, que habitavam as espécies humanas em evolução. De certo modo, eles roubaram delas o seu (recém-adquirido) livre-arbítrio. 

Em certo sentido, ninguém pode roubar o livre-arbítrio das almas, como indicamos acima. Entretanto, em termos práticos, devido à superioridade dos pleiadianos em todos os níveis, as almas terrestres perderam grande parte do seu sentido de auto-determinação. Os pleiadianos viam os seres humanos essencialmente como ferramentas, como coisas que os ajudavam a alcançar suas metas. Naquele estágio, eles não estavam preparados para respeitar a vida como valiosa em si mesma. Eles não reconheciam no “outro” (seus inimigos ou seus escravos) uma alma vivente igual a eles mesmos. 

Porém, não há nenhuma intenção de se fazer um julgamento disto, já que tudo é parte do grande e profundo desenvolvimento da consciência. Eu mesmo, Jeshua, fiz parte desta história. Eu mesmo passei pelos extremos da dualidade, praticando atos de maldade, assim como atos de luz. No nível mais profundo, não existe culpa, somente livre escolha. Não existem vítimas, nem agressores; em última análise, existe apenas experiência." (12) 

No livro “Nephilins, a Origem”, do médium brasileiro Robson Pinheiro, também são narradas estas insidiosas interferências de extraterrestres na gênese da espécie humana: 

“Conta a Bíblia que os filhos das estrelas possuíram as filhas dos homens, e o fruto da sua união - os nephilins - é capaz de explicar saltos evolutivos na origem da espécie humana. Ou seja, em nossa juventude planetária, recebemos a contribuição de astronautas exilados. Mas como imaginar essa miscigenação cósmica? A queda de braço entre as sombras e as forças da justiça talvez sintetize nossa própria história. Afinal, como já disse um sábio, Deus é aquele que, das trevas, tira a luz.“ (13) 

Talvez o nascimento desta nova mitologia de caráter conspiratório seja um reflexo, ou reação, ao assassinato de Deus em nossa cultura secularizada. A morte do Deus mítico levou a perda do sentido do transcendente e a uma deterioração do nosso senso de espiritualidade. Fazendo uso de uma metáfora grata aos norte-americanos: jogamos fora o bebê junto com a água do banho. Jogamos fora a nossa dimensão sagrada junto com o Deus antropomorfizado pelas religiões monoteístas. A verdade é que quando sepultamos Deus, sepultamos junto com ele a nossa representação mítica do Mal, que apesar de precária e rudimentar, e utilizada por milênios de forma deturpada para escravizar consciências, tinha a sua função estabilizadora para a psique coletiva ocidental. 

Ou seja, após a cerimônia fúnebre de extinção do mítico em nossa cultura, ficamos alienados de uma concepção do mal metafísico e, consequentemente, da esperança de encontrar uma alternativa libertadora para a nossa sofrida condição humana. Com isso, obstaculizamos a busca por outras vias cognitivas que poderiam viabilizar uma compreensão mais amadurecida da natureza do mal e, com efeito, propostas mais realistas e práticas para a sua mitigação. 

A Maldade do Ego 

No entanto, além dessas narrativas de caráter mítico e inspiração gnóstica, também vamos nos deparar com respostas alternativas para o suposto evento metafísico da queda espiritual ou perda do paraíso. 

A psicologização do mal, atribuindo os males humanos a um aspecto sombrio inerente à nossa natureza psíquica, nomeado de sombra, pode ser encontrada em diversas canalizações veiculadas pelo movimento Nova Era: 

“O ego originalmente representa a habilidade de usar sua vontade para afetar o meio externo. Por favor, notem que a função original do ego é simplesmente capacitar a alma a experienciar a si própria totalmente como uma entidade separada. Isto é um desenvolvimento natural e positivo dentro da evolução da alma. O ego não é “mau” em si mesmo. Entretanto, ele tende a ser expansivo ou agressivo. Quando a alma nova descobre sua capacidade de influenciar seu meio ambiente, ela se apaixona pelo ego. Bem no fundo, ainda existe uma dolorosa lembrança na alma, agora amadurecida, que lhe recorda o lar, que lhe recorda o paraíso perdido. O ego parece ter uma resposta para esta dor, para esta saudade. Parece que ele dá à alma a capacidade de controlar ativamente a realidade. Ele intoxica a alma ainda jovem com a ilusão do poder. Se alguma vez houve uma queda da graça ou uma queda do paraíso, isso aconteceu quando a jovem consciência da alma se encantou com as possibilidades do ego, com a promessa de poder. No entanto, o verdadeiro propósito do nascimento da consciência como alma individual é explorar, experimentar tudo o que há, tanto o paraíso como o inferno, tanto a inocência como o “pecado”. Portanto, a queda do paraíso não foi um “erro”. Não existe culpa ligada a isto, a menos que vocês assim acreditem. Ninguém os culpa, além de vocês mesmos.” (14) 

E da mesma fonte canalizada por Pamela Kribbe são fornecidas mais orientações: 

“Para criar mudança, para criar uma oportunidade de movimento e expansão, Deus teve que introduzir um Elemento em sua criação que fosse diferente da Bondade que permeava tudo. Isto foi muito difícil para Deus, pois como você pode criar algo que não é você? Como pode a Bondade criar Maldade? Não pode. Então, Deus teve que usar um truque, por assim dizer. Este truque se chama Ignorância. 

A ignorância é o elemento que se opõe à Bondade. Ela cria a ilusão de se estar fora da Bondade, de se estar separado de Deus. “Não saber quem você é” é o incentivo por trás da mudança, crescimento e expansão em seu universo. A ignorância gera o medo; o medo gera a necessidade de controlar; a necessidade de controlar gera a luta pelo poder: E, assim, vocês têm todas as condições para que o “Mal” prospere. E está montado o cenário para a batalha entre o Bem e o Mal.” (15) 

Nas Cartas de Cristo, outro material canalizado, vamos encontrar uma instrução similar: 

“Sua consciência humana é imperfeita. Ela é feita de tendências egoístas e egotistas. Não deixe seu ego reagir contra esta afirmação válida. Você não será de modo algum responsabilizado por isso, porque o ego é criado divinamente a fim de dividir a Consciência Divina em indivíduos. Você necessita do Ego. Ele defende você e o leva em direção ao que você precisa para sobreviver. PORÉM, ele também pode forçar um indivíduo a se comportar de maneira doentia, psicologicamente falando. O Ego é o impulso por trás de todo o crime no mundo." (16) 

Eckart Tolle faz a mesma psicologização do mal. Vejamos alguns excertos dos seus ensinamentos: 

"O ego não é mais do que isto: identificação com a forma, o que basicamente corresponde a formas de pensamento. Se o mal tem alguma realidade (e ela é uma realidade relativa, e não absoluta), esta também é uma definição dele: identificação com a forma - formas físicas, formas de pensamento, formas emocionais. Isso resulta de uma total falta de consciência da nossa ligação com o todo, da nossa unidade intrínseca com todos os "outros" e com a Origem. Esse esquecimento é o pecado original, o sofrimento, a ilusão. Quando essa ilusão da completa separação governa tudo o que pensamos e fazemos, que tipo de mundo criamos? Para responder a essa pergunta, observe como as pessoas se relacionam entre si, leia um livro de história ou veja o noticiário na televisão hoje à noite. Se as estruturas da mente humana permanecerem imutáveis, vamos sempre terminar recriando fundamentalmente o mesmo mundo, os mesmos males, o mesmo distúrbio. (...) 

Reconheça o ego pelo que ele é: um distúrbio coletivo, a insanidade da mente humana. Quando o identificamos pelo que ele é, deixamos de interpretá-lo erroneamente como a identidade de uma pessoa. E temos mais facilidade em não adotar uma atitude reativa em relação a ele. Já não o tomamos como algo pessoal. Não existe queixa, culpa, acusação nem ação equivocada. Ninguém está errado. É apenas o ego em alguém, só isso. A compaixão surge quando compreendemos que todas as pessoas sofrem do mesmo distúrbio mental, algumas delas de forma mais aguda do que outras. Assim, paramos de nutrir o conflito que faz parte de todos os relacionamentos egóicos. E o que o alimenta? A atitude reativa: com ela, o ego prospera. (...) 

Seja qual for a forma que assuma, a motivação inconsciente por trás do ego é fortalecer a imagem de quem nós pensamos que somos, o eu-fantasma que passa a existir quando o pensamento - uma enorme bênção, assim como uma grande maldição - começa a dominar e a obscurecer a simples, e ainda assim profunda, alegria da conectividade com o Ser, a Origem, Deus. Independentemente do comportamento que o ego manifeste, a força motivadora oculta é sempre a mesma: a incessante necessidade de aparecer, ser especial, estar no controle, ter poder, ganhar atenção. E, é claro, a necessidade de experimentar uma sensação de isolamento, ou seja, de oposição, de ter inimigos. (...) 

O ego coletivo de tribos, países e organizações religiosas também costuma apresentar um forte elemento de paranóia: nós contra os maus. Isso é a causa da maior parte do sofrimento humano, como mostram os seguintes fatos: a Inquisição, a perseguição e queima de hereges e "bruxas", as relações entre países conduzindo à Primeira e à Segunda Guerras, o comunismo em toda a sua história, a Guerra Fria, o macarthismo nos Estados Unidos na década de 1950, o longo e violento conflito no Oriente Médio e todos os dolorosos episódios da história humana dominada por extrema paranóia coletiva. (...) 

Existe apenas um praticante do mal no planeta: a inconsciência humana. Compreender isso é o caminho para o perdão. Quando perdoamos, nossa identidade de vítima se dissipa e nossa verdadeira força se manifesta - a força da presença. Portanto, em vez de culpar a escuridão, acenda a própria luz." (17) 

O Mal segundo o Esoterismo 

Uma das apresentações esotéricas mais controvertidas e originais sobre a natureza do Mal, com inegáveis elementos maniqueístas, foi revelada por Rudolf Steiner, fundador da Sociedade Antroposófica. Steiner foi o único esoterista moderno, exceto por seus próprios seguidores, a falar de Ahriman e Lúcifer, de forma conjunta, como seres não materiais - representantes das forças adversas - com qualidades e influências opostas: 

“Embora Ahriman e Lúcifer sejam geralmente retratados como maus, sua influência às vezes era favorável ao desenvolvimento humano. Steiner foi tão longe a ponto de considerá-los, junto a Cristo, como compreendendo uma trindade, na qual Cristo equilibra as influências opostas-polares e transforma em bem qualquer contribuição que eles tivessem a oferecer. 

De acordo com Steiner, Ahriman e Lúcifer influenciaram o desenvolvimento da humanidade ao longo da história. A influência de Lúcifer aumentou durante a época pós-Atlântica, tornou-se dominante quando ele encarnou em forma física, cerca de três milênios antes de Cristo, e declinou lentamente pelos primeiros séculos da Era Comum. A influência arimânica permaneceu baixa por vários milênios, mas se tornou dominante nos tempos modernos e deve atingir o pico quando ele encarnar nos próximos séculos. O tempo preciso da encarnação de Ahriman e o dano que isso causará dependerão da ação humana. (...) 

Ahriman era um deus maligno do zoroastrismo, enquanto Lúcifer era o produto de uma lenda medieval que interpretava - ou interpretava mal - passagens nas escrituras para criar um anjo caído e arqui-demônio. "Lúcifer" tornou-se outro nome para Satanás. (...) 

Outras questões importantes dizem respeito à própria natureza do mal: se é monista ou dualista, se é necessariamente personificado em "seres", e se o mal - apesar de sua conotação usual - pode desempenhar um papel essencial no desdobramento da consciência humana: se de fato pode ser considerado um instrumento do Propósito Divino.” (18) 

Na conclusão do seu estudo sobre o assunto, John Nash faz a seguinte reflexão: 

“Alguns escritores antroposóficos parecem agora enfatizar as influências luciféricas e arimânicas em vez da realidade objetiva de Lúcifer e Ahriman. Talvez as personagens apenas simbolizem as influências ou sirvam como arquétipos descrevendo atitudes e comportamentos contrastantes que se manifestaram ao longo da história e continuam a se manifestar hoje. Quer sejam ou não entidades “reais”, podemos prontamente aceitar o desafio de superar essas atitudes e comportamentos em nós mesmos e nos outros. Nem todos os esoteristas acreditam que Lúcifer era o "Deus da Luz", mas concordam que ele não merecia o tratamento recebido pelas mãos da cultura cristã ocidental. Dito isso, os esoteristas às vezes atraem críticas por seus esforços para reintegrá-lo à sua condição original. Indiferente às reações negativas que poderiam ser esperadas da população em geral, a Sociedade Teosófica publicou a revista Lúcifer, e Foster Bailey - que havia recentemente saído da Sociedade - fundou a Lucifer’s Trust para publicar os trabalhos de Alice Bailey. Por fim, a revista foi descontinuada e a editora passou a se chamar The Lucis Trust.” (19) 

Portanto, Poderíamos discernir dois cenários para justificar a presença do mal no mundo: um contingente e o outro necessário. O contingente nos remete a uma falha primordial, como afirmavam os gnósticos, um ato premeditado de insubordinação às leis divinas, cuja a responsabilidade ou “culpa” pode recair sobre a humanidade transgressora ou sobre uma legião de divindades rebeldes. Seria um evento metafísico único, um acidente de proporções ontológicas, muito além do tempo e espaço conhecidos. 

A outra posição, mais de acordo com os ensinamentos das tradições sapienciais não dualistas, afirma que o processo de manifestação de um universo é necessário e periódico. É a mesma posição defendida pelos neoplatônicos da antiga Alexandria e adotada pela paranormal russa Helena Blavatsky, fundadora da Sociedade Teosófica, quando faz a seguinte afirmação em sua obra A Chave para a Teosofia: 

“Como pode o princípio eterno não-ativo emanar ou emitir? O Parabrahm dos vedantinos não faz nada disto; e nem Ain-Soph da Kabala caldaica. É uma lei eterna e periódica o que origina uma força ativa e criativa (o logos) para emanar do sempre oculto e incompreensível princípio uno, no início de cada mahamanvantara ou novo ciclo de vida.” (20) 

Em relação à presença do mal no ser humano, dentro de uma perspectiva esotérica, vamos nos valer, mais uma vez, dos ensinamentos revelados na obra A Doutrina Secreta, de Blavatsky: 

“Na natureza humana, o mal não indica senão a polaridade da Matéria e do Espírito, a ‘luta pela vida’ entre os dois princípios manifestados no Espaço e no Tempo, princípios que são idênticos per se, por terem as suas raízes no Absoluto. No Cosmos, deve o equilíbrio ser mantido. As operações dos dois contrários produzem a harmonia, como as forças centrípeta e centrífuga, que, sendo interdependentes, são necessárias uma à outra, ‘a fim de que ambas possam subsistir’. Se uma se detivesse, a ação da outra imediatamente se converteria em destruidora de si mesma.” (21) 

Este posicionamento metafísico fica ainda mais claro na seguinte declaração do pensador português Manuel Anacleto, estudioso da obra de Blavatsky: 

“O Espírito, ao envolver-se, mesmo que indiretamente, na encarnação material, passou a sofrer as consequências dos impactos do mundo sensório e de todo o tipo de desejos. Tal representa, é verdade, uma “queda”; mas é o preço decorrente da conquista da autoconsciência, que só através do reflexo no espelho da matéria se pode alcançar; da atividade inteligente que só através da dureza da disciplina, que a forma material impõe, se consegue atingir.” (22) 

Na verdade, esta perspectiva mais abrangente oferecida pelas escolas esotéricas não invalidam totalmente os insights gnósticos, tanto antigos quanto modernos, mas alteram o caráter contingente do processo de queda espiritual, pois enfatizam a intencionalidade, ou necessidade, da Divindade Suprema de manifestar, periodicamente, um novo universo. Portanto, de acordo com esta visão, não houve uma “queda” angélica propriamente dita, mas sim uma ação livre e necessária, um descenso voluntário, um impulso natural criador cíclico, inerente à própria Fonte do Ser. 

Esta visão alternativa pode ser ampliada pelos conceitos complementares de involução - evolução trazidos pelo esoterismo e renovados pela visão integral de Ken Wilber: 

“Portanto, para as tradições, o grande jogo cósmico começa quando o Espírito se exterioriza, por esporte e divertimento (lila, kenosis), para criar um universo manifesto. O Espírito se "perde", "esquece" de si próprio, assume uma fachada mágica de diversidade (maia), a fim de criar uma grande brincadeira de esconder consigo mesmo. Inicialmente, o Espírito se projeta para criar a alma, a qual é um reflexo diluído e um degrau abaixo do Espírito; a alma, então, desce para a mente, um reflexo ainda mais pálido da glória radiante do Espírito; em seguida, a mente desce para a vida, e a vida desce para a matéria, que é a forma mais densa, mais baixa, menos consciente do Espírito. Poderíamos representar isto como: O Espírito-como-espírito desce para o Espírito-como-alma, que desce para o Espírito-como-mente, que desce para o Espírito-como-corpo, que desce para o Espírito-como-matéria. Estes níveis do Grande Ninho são todos formas do Espírito, mas essas formas tornam-se cada vez menos conscientes, cada vez menos cientes de sua Origem e Qüididade, cada vez menos sensíveis à sua Essência eterna, embora nada mais sejam do que o Espírito-em-jogo. (...) 

Em outras palavras, de acordo com as tradições, uma vez que a involução aconteceu, então a evolução começa ou pode começar, com cada principal passo emergente nada mais sendo do que um desdobramento ou lembrança das dimensões mais elevadas que foram secretamente dobradas ou sedimentadas nas mais baixas durante a involução. Aquilo que foi desmembrado, fragmentado e esquecido na involução é relembrado, reunido, inteirado e percebido durante a evolução. Daí a doutrina da anamnese, ou "recordação" platônica e vedântica, tão comum nas tradições: se a involução é um esquecimento de quem você é, a evolução é uma recordação de quem é o que você é - tat tvam asi: você é Isto. Satori, metanóia, moksha, e wu são alguns dos nomes clássicos para esta realização.” (23) 

Mitologia e Teodiceia 

Portanto, o tema tem múltiplas e diversificadas apresentações, tanto antigas quanto modernas, sendo a linguagem simbólica dos mitos, a mais apropriada para veicular “realidades” que transcendem o entendimento humano. 

Neste ponto, acredito que seja oportuno esclarecer o uso que faço da palavra mito. A utilizo no mesmo sentido atribuído por Joy Mills no seu estudo da obra "A Doutrina Secreta", de Blavatsky: 

"Mito não significa que o que foi apresentado não seja verdadeiro, mas o mito nos dá, ou expressa em si, a linguagem da alegoria e da metáfora - portanto, ele diz respeito à consciência. Como sabemos, na filosofia esotérica, a consciência é primordial. Ela é o fundamento de toda existência, de todas as aparências. (...) O que vamos analisar são aqueles princípios que podemos chamar de "motivos arquetípicos" pelos quais a Face Original expressa-se na manifestação. Essa é a função do mito: que nós, por meio dele, cheguemos a uma apreciação da unidade original. (...) Sugiro que, ao considerarmos a Doutrina Secreta como um mito, isto torna a apresentação menos assustadora, pois não temos que nos preocupar com o que se poderia chamar de "seu caráter fatual", se é que se trata de um fato ou não - isto aconteceu ou não? Quando ocorreu? A narrativa é precisa em todos os detalhes? - uma vez que, aqui, estamos envolvidos com arquétipos, com modelos e com as suas imagens na consciência humana. (...) Mas por estar preocupada com o objetivo central de A Doutrina Secreta - que, repito, é transformar a consciência a partir do íntimo, de modo que o cosmo reflita com mais precisão os princípios ordenadores do caos interessa-me saber como o mito pode despertar em nós esse aspecto da realidade que nos permitirá sermos co-criadores deste processo.(...) Os mitos da criação são os mais profundos e importantes de todas as exposições mitológicas. Vocês podem não percebê-lo, mas os nossos mitos refletem aquilo que pensamos a nosso respeito. Eles modelam a nossa visão de mundo." (24) 

Na verdade, são tentativas de explicar o inexplicável, ou seja, de desvelar um mistério que transcende a capacidade limitada da mente humana, ainda cativa nos labirintos dualisticos engendrados pela nossa prepotente racionalidade. 

Como nos alerta Wilber: 

“Mas aqui, gostaria apenas de enfatizar que, escondida na tradição ocidental - e na oriental - está uma solução radical e incisiva para esses dualismos maciços, uma solução literal aos problemas filosóficos mais intratáveis do Ocidente, desde o dilema absoluto/relativo até o dilema mente/corpo. Mas essa solução - conhecida apropriadamente como "nāo-dualismo" - tem uma característica bastante estranha: a saber, sua resposta absolutamente incisiva não pode ser captada em palavras, um tipo de beco sem saída metafísico que garante categoricamente resolver por completo todos os seus problemas contanto que você não o peça.” (25) 

Dentro desta perspectiva, a teodiceia - considerada no seu sentido filosófico original, como uma exigência teísta para justificar teologicamente um dogma religioso esclerosado - é uma tarefa impossível. Na verdade, o problema em si, visto além do dogma cristão, seria inconcebível, pois estamos atribuindo qualificações humanas ao Absoluto, ao Incognoscível, ao Inefável! Portanto, um ilusório paradoxo criado a partir de uma percepção antropomorfizada da Realidade Suprema. 

Rumo a uma nova Teodiceia 

No entanto, o problema do mal, e mais especificamente do sofrimento imposto à humanidade pelo próprio homem, poderia ser tratado a partir de uma nova perspectiva epistemológica, que transcenda os limites da razão e viabilize o surgimento de uma teodiceia transracional libertadora, destituída de sua dogmática e limitada conotação teísta, que poderia ser chamada, mais adequadamente, de antropodiceia, ou seja, a busca intuitiva de uma justificativa para a bondade inerente à natureza humana frente às atrocidades voluntariamente perpetradas pela espécie homo sapiens a todas as formas de vida que coabitam este planeta. Pois, como consta num dos livros deuterocanônicos da Bíblia: 

“Deus não fez a morte, e ele não se deleita na morte dos vivos; as forças geradoras do mundo são sadias e nelas não há veneno destrutivo.“ (26) 

Então, amparados pela nossa intuição cárdia mais profunda, talvez possamos ir ao encontro de uma possível e necessária antropodiceia, indispensável para ressignificar os atribulados e sofridos tempos de transição planetária que estamos atravessando. 

Concluindo esta breve exposição, vamos buscar nos ensinamentos do sábio hindu Sri Aurobindo - também conhecido como o mensageiro do incomunicável - a fonte de inspiração para alcançar uma possível teodiceia, porém, muito além dos limites cognitivas da mente humana no seu atual estágio evolutivo. 

Quando inquirido sobre "Qual é o Propósito e a Origem da Desarmonia? Por Que Se Produziu Esta Divisão, Este Ego, Este Mundo de Dolorosa Evolução? Por que o Mal e o Sofrimento Devem Interferir No Bem, na Bem-aventurança e na Paz Divinas?", Sri Aurobindo fez esta iluminada declaração: 

"É difícil responder à inteligência humana em seu próprio nível um conhecimento supra-intelectual, porque a Consciência à qual pertence a origem deste fenômeno e na qual se, por assim dizê-lo, está automaticamente justificado, é uma inteligência cósmica e não uma inteligência humana e individual e, sendo assim, vê em espaços mais vastos, possui outra visão e cognição, outros termos de consciência distintos da razão e dos sentimentos humanos. 


À mente humana alguém poderia responder que, enquanto em si mesmo o Infinito pode estar livre dessas perturbações, uma vez que a manifestação começou, começaram também as infinitas possibilidades e, entre as infinitas possibilidades às que a manifestação universal tem por função dar lugar, uma delas foi evidentemente a negação, a aparente negação efetiva – com todas suas consequências - do Poder, da Luz, da Paz e da Bem-aventurança. 


Poderia se perguntar por que além de possível aquela possibilidade teve de ser aceita, a resposta mais próxima à Verdade cósmica que a inteligência humana pode conceber é que, nas relações ou na transição do Divino em sua Unidade, ao Divino em sua Multiplicidade, esta sinistra possibilidade se fez, em certo ponto, inevitável. 


Porque, uma vez nascida, adquire para a Alma no descenso, à manifestação evolutiva uma atração irresistível que cria a inevitabilidade; uma atração que em termos humanos ao nível terrestre pode ser interpretada como a chamada do desconhecido, o gozo do perigo e, a dificuldade e a aventura, a vontade de tentar o impossível, de experimentar o incalculável, a vontade de criar o novo e o não-criado com o próprio ser e vida como materiais, a fascinação das contradições e de sua difícil harmonização; são estas coisas, traduzidas a outra consciência, a uma consciência supra-física, supra-humana, mais alta e mais vasta que a mental, às que provocaram a tentação que conduziu à queda. 


Porque para o ser original de luz à beira do descenso, o único desconhecido eram as profundidades do abismo, as possibilidades do Divino na Ignorância e a Inconsciência. Por outro lado, por parte da Unidade Divina, foi uma vasta aquiescência, cheia de compaixão, de consentimento, de ajuda; foi um supremo conhecimento de que isto devia ser assim, que havendo aparecido devia ser realizado, que sua aparição é, em certo sentido parte de uma incalculável, infinita sabedoria que seu submergir-se na Noite era inevitável, o emergir a um Dia novo sem precedentes era também uma certeza; e que só assim podia ter lugar uma certa manifestação da Verdade Suprema, pela posta em obra dos contrários fenomênicos como ponto de partida da evolução e como condição de uma emergência transformadora. 


Esta aquiescência compreendia também a vontade do grande Sacrifício, a descida do Divino, ele mesmo à Inconsciência para tomar sobre si a carga da Ignorância e suas consequências, para intervir como o Avatar e o Vibhuti marchando entre o duplo signo da Cruz e a Vitória até a culminação e a salvação. 


Uma tradução demasiado plástica da Verdade inexpressável? Mas sem imagens como apresentar ao intelecto um mistério muito além dele? Só quando se há cruzado a barreira da inteligência limitada e se há tomado parte na experiência cósmica e no conhecimento que vê as coisas por identidade, se podem assumir as supremas realidades que estão por trás destas imagens (imagens correspondentes ao feito terrestre) e suas formas divinas e, então, se podem perceber como algo simples, natural, implícito na essência das coisas. 


Só penetrando em uma consciência maior, pode alguém captar a inevitabilidade da criação e seu propósito." (27)


Portanto, não temas o mal! 

Tudo tem um propósito maior dentro do grande arcabouço da criação. Se as mitologias antigas e modernas apontam para uma verdade velada, se realmente existe um poder oculto que manipula e escraviza a humanidade, este poder conspira a nosso favor, pois está acelerando o nosso despertar para a percepção de uma realidade maior, o nosso próximo salto evolutivo. Ou seja, o “Grande Tentador” é o nosso maior Benfeitor. 

Neste sentido, ratifico a minha fé na vida, a certeza intuída no coração que a Vida sempre conspira para a harmonia e plenitude de todos os seres, que existe uma Realidade Suprema que é a fonte inesgotável do Bem, do Verdadeiro e do Belo. 

A seguir, dois excertos selecionados do livro “O Olho do Espírito”, de Ken Wilber, que poderão servir como exemplos de uma possível e necessária antropodiceia. 

NOTAS:
(1) Memórias e Visões do Paraíso; Richard Heinberg; Campus; 1991.
(2) Ibidem.
(3) O Jogo Cósmico; Stanislav Grof; Atheneu; 1998. 
(4) Ibidem.
(5) Gnosticismo; Stephan A. Hoeller; Nova Era; 2005.
(15) Ibidem. 
(19) Ibidem.
(20) A Chave para a Teosofia; Helena P. Blavatsky; Teosófica; 1991.
(21) A Doutrina Secreta - Volume VI; Helena P. Blavatsky; Pensamento; 2002.
(22) Queda - Revista Biosofia - Manuel Anacleto
(23) Ken Wilber, Rumo a Uma Teoria Completa de Energias Sutis - 1
(24) O Despertar de Uma Nova Consciência, Joy Mills, Editora Teosófica, 1993.(25) O Olho do Espírito, Ken Wilber, Cultrix, 2001. 
(26) A Sabedoria de Salomão, 1:13, 14.

De um Prisma Moderno 

Por Ken Wiber

A questão crucial foi a seguinte: para que a evolução cultural seja aceita como um princípio explicativo da história humana, ela precisará encarar justamente as objeções que levaram os tradicionalistas, os românticos e os teóricos do liberalismo social a rejeitá-la tão agressiva e completamente. Em outras palavras, se a evolução está operando na esfera humana, como podemos explicar Auschwitz? E como ousamos julgar algumas produções culturais mais evoluídas que outras? Como ousamos fazer essas distinções de valor? Que arrogância é essa? 

Desse modo, ainda que tenha começado esse prefácio xingando os teóricos antievolução, eles, na verdade, levantam várias objeções profundas e significativas, e essas objeções precisam ser levadas muito a sério, e tratadas do modo mais justo possível. 

Os tradicionalistas, por exemplo, não conseguem acreditar na evolução cultural por causa de horrores modernos como Auschwitz, Hiroshima e Chernobyl. Como podemos dizer que a evolução está em progresso, quando ela produz monstruosidades como essas? É melhor negar totalmente a evolução do que ser pego tentando explicar essas obscenidades. 

E os românticos respondem ao que parece ser uma simpatia humana universal pelos tempos anteriores aos tormentos de hoje em dia. Homens e mulheres primitivos não sofriam, em geral, os desastres da modernidade - nada de poluição industrial, pouca escravidão, poucas disputas de propriedade e assim por diante. Em qualquer escala de qualidade, será que não decaímos? Será que não está na hora de voltar à natureza, voltar ao bom selvagem, e assim encontrar um eu mais verdadeiro, uma comunidade mais justa, uma vida mais rica? 

Os teóricos do liberalismo social também têm toda a razão em se retrair com horror diante da idéia de evolução cultural. As formas incrivelmente grosseiras dessa evoluçāo, como o darwinismo social, não apenas estão isentas de compaixão, mas, de maneira ainda mais sinistra, esse tipo de "evolucionismo" crasso, espremido nas mãos de cretinos morais, produziria exatamente o tipo de noção destrutiva e bárbara do super-homem, da raça superior, dos futuros semideuses humanos, que marchariam frios e empertigados História adentro, e que, na verdade, inscreveriam suas crenças na carne torturada de milhões, espremeriam sua ideologia nas câmaras de gás e deixariam que tudo se acertasse nelas. Os teóricos do liberalismo social, reagindo a esses horrores, naturalmente tendem a ver qualquer tipo de "hierarquia social" como um prelúdio a Auschwitz. 

É óbvio que, se a evolução da consciência vai ser usada como um princípio explicativo, ela vai enfrentar diversas dificuldades sérias. Precisamos, então, de um grupo de dogmas que explique tanto o avanço quanto a regressão, as boas e as más notícias, os altos e baixos de um impulso evolutivo que é, ainda assim, tão ativo nos seres humanos quanto no resto do Kosmos. De outra forma, vamos deparar com a situação bizarra de abrir uma fenda no âmago do Kosmos: tudo o que não é humano opera pela evolução; tudo o que é humano não. 

Quais são os princípios que podem reabilitar, de uma forma sofisticada, a evolução cultural, reunindo assim a humanidade com o resto do Kosmos e, ao mesmo tempo, respondendo pelos altos e baixos do desenvolvimento da consciência? Eis aqui alguns princípios explicativos centrais de que acho que estamos precisando: 

1. A dialética do progresso. À medida que a consciência evolui e se desenvolve, cada estágio resolve ou deflagra certos problemas do estágio anterior, mas então adiciona seus próprios problemas, novos e recalcitrantes e, algumas vezes, mais complexos e difíceis. Devido ao fato de que a evolução opera, em todas as esferas (humana e não-humana), por meio de um processo de diferenciação e de integração, cada novo nível mais complexo vai, necessariamente, enfrentar problemas que não havia nos níveis precedentes. Cães têm câncer; átomos não. Mas isso não condena completamente a evolução! Isso quer dizer que a evolução é uma alternância de boas e más notícias - a dialética do progresso. E quanto mais estágios de evolução existirem - quanto maior a profundidade do Kosmos - mais coisas podem sair erradas! 

Evolução significa, assim, inerentemente que novos potenciais e novas maravilhas e novas glórias vão ser introduzidos a cada novo estágio, mas acompanhados, sem dúvida, por novos horrores, novos medos, novos problemas, novos desastres. E “Up from Eden” é uma crônica das novas maravilhas e dos novos desastres que desabrocham nos vendavais incansáveis da evolução da consciência. 

2. A distinção entre diferenciação e dissociação. Devido ao fato de que a evolução avança por meio de diferenciação e integração, algo pode sair errado em cada estágio - como eu disse, quanto maior a profundidade do Kosmos, mais doenças podem existir. E uma das formas mais predominantes da patologia evolutiva ocorre quando a diferenciação vai longe demais, virando dissociação. Na evolução humana, por exemplo, uma coisa é diferenciar a mente do corpo, e outra bem diferente é dissociá-los. Uma coisa é diferenciar a cultura da natureza, outra bem diferente é dissociá-las. Diferenciação é o prelúdio da integração; dissociação é prelúdio de desastre. 

Como veremos nas próximas páginas, a evolução humana (como a evolução em toda parte) está marcada por uma série de importantes diferenciações, absolutamente normais e cruciais para a evolução e a integração da consciência. Mas, a cada estágio, essas diferenciações podem ir longe demais, e transformar-se em dissociação, que converte profundidade em doença, crescimento em câncer, cultura em pesadelo, consciência em agonia. E “Eden” é uma crônica não somente das diferenciações da evolução da consciência, mas também das dissociações e distorções patológicas que todos muitas vezes seguiram em seu despertar. 

3. A diferença entre transcendência e repressão. Dizer que a evolução avança por meio de diferenciação e integração é dizer que ela avança por meio de transcendência e inclusão. Isto é, cada estágio da evolução (humana e não-humana) transcende e inclui seus predecessores. Átomos são partes de moléculas, que são partes de células, que são partes de organismos complexos, e assim por diante. Assim, cada estágio, inclui seu(s) predecessor(es), e então adiciona suas próprias qualidades características e emergentes: transcende e inclui. 

Devido a essa razão, porém, na patologia, a dimensão anterior não transcende e inclui; ela transcende e reprime, nega, distorce, perturba. Cada novo estágio mais elevado tem essa escolha: transcender e incluir, receber, integrar, respeitar; ou transcender e reprimir, negar, alienar, oprimir - ocasiões transcendentes da evolução humana, bem como das grotescas repressões, opressões, brutalidades. Quanto mais brilhante a luz, mais escura é a sombra e “Eden” olha as duas bem no olho. 

4. A diferença entre hierarquia natural e hierarquia patológica. Durante o processo evolutivo, o que é o todo num estágio se torna parte do todo no próximo. Cada pequena coisa do Kosmos é, assim, o que Arthur Koestler chama de "hólon", um todo que é simultaneamente uma parte de outro todo, indefinidamente. Átomos inteiros são partes de moléculas, moléculas inteiras são partes de células, e assim por diante. Cada um é um todo/parte, um hólon, existindo numa hierarquia natural, ou numa ordem de totalidade e holismo crescentes. 

Devido a isso, Koestler salientou que a hierarquia normal, na verdade, deveria ser chamada de holarquia, e ele tem razão. Todos os processos de evolução (humana ou não) em parte avançam por hierarquização (holarquização) - cada uma das dimensões superiores transcende e inclui as inferiores: cada nível é um todo que faz parte de outro todo, indefinidamente, o que é exatamente a razão pela qual cada estágio em desenvolvimento transcende e inclui seu(s) predecessor(es), e assim o Kosmos se desdobra em inclusão após inclusão após inclusão infinitamente. 

Mas o que transcende pode reprimir. E assim, hierarquias normais e naturais podem degenerar em hierarquias patológicas, em hierarquias dominadoras. Nesses casos, um hólon arrogante não quer ser ao mesmo tempo um todo e uma parte; ele quer ser o todo, e ponto final. Não quer ser uma parte de algo maior do que ele mesmo; não quer compartilhar da comunhão de seus companheiros hólons; quer dominá-los com seus próprios meios. O poder substitui a comunhão; a dominação substitui a comunicação; a opressão substitui a reciprocidade. E “Eden” é uma crônica do extraordinário crescimento e evolução das hierarquias normais, um crescimento que, ironicamente, permite a degeneração em hierarquias patológicas, que deixam a sua marca de fogo na carne torturada de incontáveis milhões, um rastro de horror que acompanha o animal que não consegue transcender sem reprimir. 

5. Estruturas superiores podem ser subjugadas por impulsos inferiores. O tribalismo, quando entregue a si mesmo, é relativamente benigno, apenas porque seus recursos e suas tecnologias são relativamente inofensivos. Nāo se consegue causar muito dano na biosfera e em outros humanos com um arco e flecha (e essa falta de recursos não significa presença de sabedoria). O problema é que as tecnologias avançadas de racionalização, quando subjugadas pelo tribalismo e suas tendências etnocêntricas, podem ser devastadas. 

Auschwitz não é resultado da racionalidade. Auschwitz é o resultado de diversos produtos da racionalidade usados de maneira irracional. Auschwitz é o racionalismo subjugado pelo tribalismo, pela mitologia etnocêntrica do sangue solo e raça, enraizada na terra, romântica em disposição, primitiva em sua limpeza étnica. Você não pode fazer genocídio com arco e flecha; mas você pode fazê-lo com aço e carvão, máquinas de combustão e câmaras de gás, metralhadoras e bombas atômicas. Esses desejos não são racionais em nenhuma das acepções da palavra; são tribalismos etnocêntricos no comando dos instrumentos de uma consciência avançada, e usando-os precisamente pelo motivo mais torpe dos motivos torpes. Auschwitz é o resultado final não da razão, mas do tribalismo. 

Essas são algumas distinções que, acredito, são necessárias para que se reconstrua a evolução da consciência humana de um modo muito mais satisfatório e incisivo, um modo que possa responder com clareza pelos inegáveis avanços da história humana, bem como pelos seus inegáveis desastres. E, finalmente, isso nos fornece uma maneira de lidar com as objeções dos teóricos anti evolucionistas que, de muitos modos, ainda dominam com agressividade os pronunciamentos teóricos dessa área. 

Aos tradicionalistas, podemos dizer: vocês não compreenderam a dialética do progresso. Vocês incluíram todo o mal da modernidade, mas cuidadosamente deixaram de lado o bem, e então amaldiçoam o surgimento da modernidade e sua secularização racional, deixando de ver que a modernidade é, na verdade, a forma de desdobramento do Espírito como a Presença do mundo de hoje. E assim vocês cultuam a era mítica-agrária que passou, quando o mundo todo se curvava ao Deus ou Deusa míticos, e a religião sorria por toda parte nesta linda terra, e cada homem e mulher abraçava seu amado Deus com devoção, e tudo era maravilhosamente encantado e vivo, com augúrio espiritual. 

E, de um modo bem conveniente, vamos ignorar o fato de que, como a recente evidência tornou bem claro , 10 % das sociedades nômades e 54 % das sociedades agrárias tinham escravidão; 37 % das sociedades nômades e 64 % das sociedades agrárias tinham dotes de noiva; 58 % das sociedades nômades, e incríveis 99 % das sociedades horticultoras se envolviam em guerras intermitentes. Os templos desse amado Deus e Deusa foram construídos sobre as costas dobradas de milhões e milhões de seres humanos escravizados e torturados, a quem não se dava nem mesmo a mais simples das dignidades humanas, e que deixaram um rastro de sangue e lágrimas como um altar a esse Deus amado. 

Os tradicionalistas nos fizeram lembrar os pesadelos da modernidade; que eles não se esqueçam assim tão fácil dos pesadelos do passado. E quanto às boas novas da modernidade, a respeito das quais os tradicionalistas ficam estranhamente silenciosos, vamos clarear-lhes a memória: os grandes movimentos de libertação - a libertação dos escravos, das mulheres, dos intocáveis -, esses grandes movimentos de emancipação foram trazidos ao mundo moderno justamente pela racionalidade, que foi com toda a certeza! a forma do desdobramento do Espírito no mundo moderno. Os aspectos positivos da modernidade - incluindo os avanços da medicina, que sozinhos aliviaram mais dor e sofrimento do que qualquer outro avanço na História - sāo o Eros e o Ágape do desdobramento atual do Espírito: as democracias liberais sozinhas são a compaixão do Espírito manifestada, não em algum céu mítico cruelmente prometido, mas exatamente aqui e agora, na terra na vida real de uma vasta humanidade que viveu até agora nesta querida terra como escrava, como propriedade de outro, e quase sempre a propriedade de um outro que acreditava com devoção nas glórias de um grande e maravilhoso Deus. 

E então dizemos aos tradicionalistas: vocês não entenderam a dialética do progresso, não perceberam que o superior pode ser subjugado pelo inferior, não viram que a forma do Espírito no mundo de hoje é justamente a boa nova da modernidade - dessa maneira, e de muitas outras, vocês perderam o contato com o pulsar da evolução e do desdobramento progressivos do Espírito, o milagre da evolução como realização de si mesmo por meio da transcendência de si mesmo. 

Aos retro românticos, dizemos: vocês confundiram diferenciação com dissociação, confundiram transcendência com repressão. E, assim, cada vez que a evolução introduz uma nova diferenciação necessária, vocês berram: queda! pesadelo! horror dos horrores! involução! a perda do Éden, a alienação da humanidade, o rastro da miséria escrito nos ventos da História. 

A noz precisa se diferenciar para crescer até ser uma árvore. Mas, se você vê cada diferenciação como uma dissociação - se confunde totalmente as duas coisas -, então você é forçado a ver a árvore como uma tremenda violação da noz. E desse modo a sua solução para qualquer problema da árvore será: devemos voltar ao nosso maravilhoso estado de noz. 

A solução, claro, é exatamente o oposto: encontrar os fatores que impedem as nozes de se realizarem como árvores, e remover esses obstáculos, de modo que a diferenciação e a integração possam ocorrer naturalmente, em vez de derivar em dissociação e fragmentação. Podemos concordar com os românticos que patologias horrorosas muitas vezes se infiltraram na marcha progressiva do desenvolvimento e da evolução - isso nem se discute! Mas a solução não está na idealização do estado de noz, e sim na remoção dos obstáculos que impedem o crescimento da noz até sua própria realização como árvore. 

Aos teóricos do liberalismo social dizemos: vocês não compreenderam a diferença entre hierarquia natural e hierarquia patológica, e, assim, no seu zelo, bastante compreensível, de apagar a hierarquia patológica, vocês destruíram a hierarquia natural; vocês jogaram fora o bebê junto com a água do banho. 

A distinção de valor - hierarquia em seu sentido mais amplo - é inevitável nas empreitadas humanas, apenas porque todos somos hólons: contextos dentro de contextos para sempre, e cada contexto mais amplo prenuncia um julgamento sobre seus contextos menos abrangentes. Desse modo, mesmo quando os teóricos sociais igualitários afirmam sua rejeição da hierarquia, eles o fazem usando julgamentos hierárquicos: alegam que não-distinção é melhor do que distinção. Bem, isso é um julgamento hierárquico, que os coloca na posição embaraçosa de contradição, de aceitar secretamente o que verbalmente condenam. Eles têm uma hierarquia que nega a hierarquia, uma distinção que odeia distinção. 

O que eles estão tentando fazer, claro, é acabar com as hierarquias patológicas, e nessa tarefa creio que todos devemos segui-los. Mas a única maneira de acabar com a hierarquia patológica é aceitar a hierarquia normal e natural isto é, aceitar a holarquia natural, que integra o hólon arrogante de volta em seu lugar legítimo numa reciprocidade de cuidado, comunhão e compaixão. Sem a holarquia temos amontoados, não todos, e não há possibilidade de integração. 

E assim, com essa abordagem, e com essas cinco distinções, podemos reunir a humanidade com o resto do Kosmos, e não ficar sobrecarregados com um dualismo verdadeiramente bizarro e rígido: humanidade para cá, tudo o mais para lá. A arrogância antropocêntrica dessa posição é assustadora - seja quando é adotada pelos tradicionalistas, pelos ecoteóricos retrógrados ou pelos românticos-, mas é uma posição que não precisamos adotar. 

Ainda mais absurdo, negar a evolução na esfera cultural e humana é negar que o conhecimento ocorre, ou pode ocorrer, na percepção humana coletiva. É dizer que, desde o primeiro dia, os humanos conheciam tudo o que devia ser conhecido; nada cresceu nem se desenvolveu, nada evoluiu, nenhuma verdade emergiu, não houve nenhuma evolução operativa. 

Não, somos parte essencial de uma corrente evolutiva única e abrangente que é em si a ação do Espírito, o modo e a maneira de criação do Espírito, e assim está sempre indo além do que foi antes-que salta, não engatinha, para novos platôs de verdade, apenas para saltar outra vez, morrendo e renascendo a cada novo cambaleio da parte, e muitas vezes caindo e arranhando seus joelhos metafísicos, mas ainda assim sempre se levantando e saltando outra vez. 

E você se lembra do Autor dessa Peça? Quando você examina com profundidade o interior de sua própria percepção, e relaxa a auto contração, e dissolve-se dentro do fundamento vazio de sua própria experiência primordial, o sentimento simples de Ser - aqui mesmo, agora mesmo - não se torna de repente óbvio? Será que você não estava presente desde o início? Será que você não tinha as cartas na mão em tudo o que iria se seguir? Será que o sonho em si não começou quando você se cansou de ser Deus? Não foi divertido se perder nas produções de sua própria imaginação prodigiosa, e fazer de conta que tudo era o outro? Será que você não escreveu este livro, e inúmeros outros como este, só para lembrá-lo de quem você é? 

FONTE: O Olho do Espírito, Ken Wilber, Cultrix, 2001.

Mas onde está Deus? 

Por Ken Wilber 

Aristóteles proferiu a clássica afirmação de que um Deus não tem nenhuma relação substancial com o mundo relativo. O Deus de Aristóteles é um Deus de pura Perfeição, e o fato de esse Deus sujar as mãos com o mundo relativo - estar envolvido com criaturas finitas e relativas - seria com certeza indício de uma falta de plenitude, uma falta de completude, e, assim, uma falta de perfeição auto suficiente. Já que Deus não requer nada, não há com certeza razão nenhuma para que ele produza ou crie um mundo relativo. Na verdade, se Deus realmente criou o mundo relativo, isso seria uma indicação de que algo está faltando em seu próprio ser, o que, obviamente, não é possível (você não chega a ser Deus tendo coisas faltando!) Assim, Deus está "no" mundo relativo somente como causa final: o Bem em direção ao qual todas as criaturas relativas se esforçam, mas nunca, nunca alcançam. 

Aspectos da obra de Platão poderiam certamente ser interpretados de modo a sustentar a noção aristotélica de um Deus intocável, não-comprometido, totalmente auto-suficiente. Este mundo, afinal de contas, poderia ser visto como um simples reflexo fugidio e esvaecido do mundo real, um mundo totalmente transcendente ao mundo relativo dos sentidos e da opinião confusa. 

Mas isso é só meio Platão, por assim dizer. A outra metade (e a que menos se nota) confirma da maneira mais drástica que todo o mundo relativo é uma produção, uma emanação, uma marca da Plenitude do Bem. Assim, no Timeu - que alguns dizem ser o livro mais influente da cosmologia ocidental -, ele descreve um Absoluto incapaz de criar um mundo como decididamente inferior ao Absoluto que o faz. Ao contrário da conclusão de Aristóteles - de que Deus deve ser totalmente auto-suficiente para ser perfeito-, a conclusão do Timeu é que um Deus incapaz de criar não é Deus coisa nenhuma. (Pode-se até deduzir que um Deus incapaz de criar tem inveja do Deus capaz!) Assim, por meio do fluir criativo do Absoluto, forma-se todo o reino manifesto, de modo que tudo é, em essência, a Plenitude do Bem. Portanto, esta simples terra, Platão descreve como um "Deus visível, sensível". 

E assim começaria essa versão do dualismo mais intratável do Ocidente: Absoluto versus relativo, e qual, exatamente, é a relação entre eles. 

A grande dificuldade com a posição de Aristóteles é que ela simplesmente deixa o dualismo do jeito como está. O Deus de Aristóteles não cria nada; todas as 

coisas são conduzidas pelo desejo de alcançar esse Deus, mas nenhuma consegue. E por mais "claro" que isso possa ser em termos lógicos, deixa o Kosmos com uma lança divisória cravada violentamente em seu coração. Deus lá, e nós aqui, e os dois se encontram apenas num amor perpetuamente não correspondido. 

Ainda assim, o outro lado dessa tentativa de solução- Deus está presente no mundo como Plenitude - também tem suas próprias graves dificuldades, pelo menos do modo como geralmente é anunciado. Quer dizer, se imaginamos intelectualmente o Absoluto criando, de maneira substancial, o mundo relativo, então como vamos explicar a existência do mal? Se Deus tem uma mão neste mundo, então por que Ele, Ela ou Isto não leva a culpa por Auschwitz? E se leva, que tipo de monstro grotesco é esse Deus? 

Esse dualismo entre o Absoluto e o relativo e a relação entre eles, se é que existe alguma separou a tradição inteira da filosofia e da teologia ocidentais em dois campos em guerra e totalmente irreconciliáveis: este mundo versus outro mundo, Descendentes versus Ascendentes, imanentistas versus transcendentalistas, empiristas versus racionalistas, assim ou assado. 

A tradição aristotélica apenas se esquivou da confusão do mundo relativo, e se recusou a deixar que seu Deus sujasse as mãos. Deus é uma perfeição auto- suficiente e unitária, e, assim, esse Deus não tem necessidade de criar um mundo ou outra coisa qualquer. Como poderia algo tão Perfeito fazer algo mais sem sair dessa Perfeição? Criar implica que algo está faltando, e em Deus não falta nada; portanto, Deus não cria. De onde veio o mundo, e por quê, é assim uma questão deixada inteiramente pendente, ainda que, enterrado bem fundo no coração do mundo relativo, esteja o desejo ardente de atingir o estado de completa perfeição ou Deus, o que significaria, na verdade, para esse Deus autista, livrar-se de todos os vizinhos, e desaparecer dentro de sua própria totalidade auto-suficiente, regalando-se nas maravilhas de sua infinita excepcionalidade. 

Mas a posição intelectual alternativa - de que o Uno Perfeito, não obstante, se envolveu com criaturas imperfeitas - não é nem um pouco mais atrativa. Se o Uno Perfeito desce até o nível do mal imperfeito, algo saiu errado em algum lugar, e a culpa só pode ser do próprio Uno. 

Teólogos cristãos diriam em sua maioria que a Vontade de Deus cria o mundo, e, já que a liberdade é um componente bom deste mundo, Deus permite, mas não cria, o mal. Os gnósticos foram na direção oposta: este mundo é tão obviamente mau (como diz o famoso ditado gnóstico: "Que Deus é esse?") que eles sustentam que o mundo todo foi criado não pelo verdadeiro Absoluto, mas por um Demiurgo, um espírito mau, ou pelo menos inferior. Uma tentativa complicada, só para manter Deus fora do mundo! Porque, se deixarmos Deus dentro do mundo, então algo saiu terrível e desgraçadamente errado. 

Abordar o dualismo desse modo intelectual não ajuda em nada. Se, como afirmam os gnósticos, este mundo é fenomenal, ilusório, mau, um produto do Demiurgo e não do Deus verdadeiro, então o próprio Demiurgo chega perigosamente perto do estado absoluto, e, na verdade, alguns gnósticos diriam que o Demiurgo cria o mundo mas não é criado, o que, na verdade, vem a ser uma definição do Absoluto. Então temos agora dois absolutos: um Bem absoluto, e um Mal absoluto, e reintroduzimos exatamente aquele dualismo que tentávamos superar. 

Esse dualismo intratável, eu afirmo, é o dualismo central da tradição ocidental, e apareceu e reapareceu sob diversas máscaras: apareceu como o dualismo entre númeno e fenômeno, entre mente e corpo, entre livre-arbítrio e determinismo, entre moral e natureza, transcendente e imanente, sujeito e objeto, ascensão e queda. O fato de que esses são essencialmente o mesmo dualismo é um tema que persegui cuidadosamente em Sex, Ecology, Spirituality (e sua versão popular, A Brief History of Everything), e o leitor interessado pode consultar essas fontes para obter mais detalhes. 

Mas aqui, gostaria apenas de enfatizar que, escondida na tradição ocidental - e na oriental - está uma solução radical e incisiva para esses dualismos maciços, uma solução literal aos problemas filosóficos mais intratáveis do Ocidente, desde o dilema absoluto/relativo até o dilema mente/corpo. Mas essa solução - conhecida apropriadamente como "nāo-dualismo" - tem uma característica bastante estranha: a saber, sua resposta absolutamente incisiva não pode ser captada em palavras, um tipo de beco sem saída metafísico que garante categoricamente resolver por completo todos os seus problemas contanto que você não o peça. 

FONTE: O Olho do Espírito, Ken Wilber, Cultrix, 2001. 

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