Por L.C. Dias
"Como Jesus foi deificado e adorado como Senhor e Criador de tudo?“
Bart D. Ehrman
“Mil vezes que Jesus nasça na gruta de Belém, se o Cristo não nascer em tua alma, perdido estás.”
Bart D. Ehrman
“Mil vezes que Jesus nasça na gruta de Belém, se o Cristo não nascer em tua alma, perdido estás.”
Meister Eckhart
Parte I - De Jesus a Cristo
Vamos recorrer a Jonh Nash em busca de um maior esclarecimento sobre a origem e significado do nome Jesus e da titulação Cristo:
"O homem que conhecemos como Jesus Cristo recebeu o nome aramaico Yeshua por sua mãe Maria. Yeshua, cuja forma hebraica era Yehoshuah, significava literalmente "Ele salvará", ou simplesmente "Salvador". Os nomes estreitamente relacionados eram Esaú e Josué. O equivalente grego de Yeshua foi Iesous, do qual o "Jesus" em portugues é derivado.
Algumas pessoas acreditavam que ele era um profeta, possivelmente uma reencarnação de Elias. Vários títulos foram atribuídos a ele durante e após o seu ministério. Seus seguidores se basearam em precedentes bíblicos para descrever Jesus como o "Filho de Davi" e o "Messias". O termo "Filho do Homem" teve raízes judaicas profundas e aparece 82 vezes nos evangelhos. Às vezes, Jesus usava isso para se referir a si mesmo, enquanto em outras ocasiões parecia implicar uma manifestação divina para segui-lo como "Senhor". Ocasionalmente, as pessoas invocavam o seu nome quando se dirigiam aos espíritos imundos e, eventualmente, seus discípulos o chamavam de "Filho de Deus". Outras denominações, aplicadas após sua morte e ressurreição, incluíram "o último (ou o segundo) Adão" e "o Sumo Sacerdote".
O equivalente grego de "Messias" é Christos, do qual "Cristo" é derivado. O Messias/Cristo foi um título, mas o apóstolo Paulo, que escreveu suas epístolas aproximadamente entre os anos 49 e 67 da EC, encurtou de "Jesus o Cristo" para "Jesus Cristo", fazendo de "Cristo" essencialmente um sobrenome. "Senhor" (grego: Kyrios) poderia simplesmente ser um termo de respeito. Mas Paulo se baseou no significado muito maior de seu equivalente hebraico Adonai, que serviu de substituto para o indecifrável YHVH. "Senhor Jesus Cristo" tornou-se a denominação favorita de Paulo, e muitas vezes usado pelos primeiros cristãos. Paulo usou esses títulos para proclamar a divindade de Cristo.(1)
Mas antes de explorar as concepções heterodoxas dadas ao Cristo, precisamos esclarecer uma questão polêmica, não para os cristãos, mas para os não cristãos, ou seja, a historicidade de Jesus: o homem Jesus de Nazaré realmente existiu?
Na tentativa de apresentar uma resposta plausível, sugiro seguir o caminho traçado pelos estudiosos acadêmicos que, por décadas, se debruçaram sobre o assunto. Neste ponto, fico ao lado de Bart D. Ehrman:
“...temos a certeza de que Jesus realmente existiu, um consenso entre praticamente todos os estudiosos da antiguidade, de textos bíblicos, clássicos e origens cristãs, não apenas nos Estados Unidos, mas em todo o mundo ocidental. Como eu, muitos desses acadêmicos não têm interesse pessoal no assunto, eu não sou cristão nem tenho o compromisso de defender uma causa ou agenda cristã. Sou agnóstico com inclinações ateístas, e minha vida e visão de mundo seriam basicamente as mesmas, quer Jesus existisse ou não. Minhas crenças não seriam muito diferentes. A resposta para à questão da existência histórica de Jesus não me deixará nem mais nem menos feliz, satisfeito, esperançoso, simpático, rico, famoso ou imortal. Como historiador, porém, dou importância a evidências, assim como ao passado. E, para alguém que valoriza tanto as evidências quanto ao passado, uma investigação imparcial da questão não deixa dúvidas: Jesus realmente existiu. “ (2)
Bart D. Ehrman é especialista em Novo Testamento e História do Cristianismo Primitivo, professor de Estudos Religiosos na Universidade da Carolina do Norte, em Chapel Hill. Nascido em uma família religiosa nos Estados Unidos, Ehrman já foi um evangélico fervoroso, mas, depois de mais de 35 anos de estudos, ele afirma que não é mais cristão e sim um agnóstico. É autor de mais de vinte livros sobre religião, incluindo os best-sellers "Quem foi Jesus? Quem não foi Jesus?", "O que Jesus disse? O que Jesus não disse?" e “Como Jesus se tornou Deus”. Mas, para quem tiver interesse em se aprofundar na investigação do chamado Jesus histórico, sugiro a leitura do livro de Ehrman "Jesus existiu ou não?".
Portanto, para um grande número de ateus, humanistas e até teóricos da conspiração, esta afirmação de Ehrman - “Jesus realmente existiu“ - pode causar espanto e até indignação. Mas concordo com Ehrman quando alerta que “as pessoas que negam abertamente esse fato o fazem não porque analisaram as evidências com o olhar desapaixonado de um historiador, mas porque essa negação está a serviço de alguma causa própria”. (3)
Ratificando esta afirmação, remeto ao tendencioso documentário independente “Zeitgeist, o Filme”, do norte-americano Peter Joseph. Disponibilizado gratuitamente na Internet, em julho 2007, teve mais de 8 milhões de acessos somente nos primeiros meses. De vertente conspiratória, o documentário apresenta uma argumentação convincente e envolvente, mas com poucas referências às fontes, mostrando um descompromisso com a autenticidade das informações veiculadas. Além disso, os relatos estão impregnados de uma multiplicidade de meias-verdades habilmente articuladas para provocar a descrença cega em um público já descontente com as supostas "verdades" religiosas.
Mas a aceitação preliminar da existência de um Jesus histórico não impede que façamos o próximo questionamento, talvez, tão provocativo e polêmico para a fé cristã quanto o anterior:
“Como um pregador itinerante e praticamente desconhecido, vindo de uma região rural remota e atrasada do Império Romano, um profeta judeu que anunciou a iminência do fim do mundo tal qual o conhecemos, que provocou a ira dos líderes religiosos e civis da Judéia e que foi consequentemente crucificado por revolta contra o Estado - como foi que apenas um século depois de sua morte, esse camponês passou a ser chamado de Deus? Como estavam dizendo que ele era um ser divino cuja existência precedia o mundo, que ele havia criado o universo e que era semelhante ao próprio Deus Todo-Poderoso? Como Jesus foi deificado e adorado como Senhor e Criador de tudo?“ (4)
Entretanto, não tenho a intenção de adentrar no terreno obscuro e controverso da teologia cristã tradicional. Para os interessados, sugiro outro livro de Ehrman: “Como Jesus se tornou Deus”. O livro é um relato fascinante sobre a evolução da cristologia do século I ao século IV. Diferenciando os fatos históricos das questões teológicas e de fé, o autor analisa o que os Evangelhos falam sobre a divindade de Jesus e apresenta as ideias de vários teólogos posteriores, montando um panorama da exaltação de um pregador judeu ao status divino supremo.
Ex-cristão evangélico, agora agnóstico, Ehrman deixou de se interessar pela questão teológica de como Deus se tornou homem, e voltou-se para a questão histórica de como um homem virou Deus.
Porém, neste ponto, nossa busca toma outro rumo, volta-se para uma compreensão heterodoxa, transreligiosa e esotérica do Cristo e de Jesus. Com esta perspectiva em mente, nos afastamos do sóbrio e cético academicismo de Ehrman e vamos em direção a uma desafiante imersão no fértil campo das ideias cristológicas heréticas.
Na segunda parte do estudo, vamos falar sobre a cristologia gnóstica, que tanta influência teve no cristianismo nascente e que vem experimentando um sutil despertar em nossa época.
Por L.C. Dias
Notas :
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