Por John Lash
"Uma perspectiva gnóstica sugere assim que o cenário Matrix apresenta uma versão ciberpunk de um verdadeiro dilema espiritual, um desafio genuíno e assustador que enfrenta a humanidade, talvez seu desafio final."
John Lash
"Os seres humanos são uma doença, um câncer neste planeta. Você é a praga e nós somos ... a cura."
Agente Smith
Neste artigo, escrito por Jonh Lash após o lançamento, em 2001, do segundo filme da trilogia cinematográfica Matrix, "The Matrix Reloaded", são analisados os elementos míticos de um gnosticismo redivivo presentes nas aventuras de Neo e Trinity.
Para Lash, a saga Matrix envolve muito mais do que somente efeitos especiais espetaculares e uma trama ficcional cativante de tirar o fôlego. Várias crenças sobre a natureza da realidade, da liberdade e da própria condição humana permeiam, de forma provocativa e relevante, o enredo desses filmes, tonando-os assunto de debate sem fim.
Portanto, segundo Lash, os filmes Matrix fornecem uma ocasião única para considerar o imenso poder da mídia eletrônica sobre nossas mentes e vidas.
Jonh Lash é o autor do vasto, profícuo e polêmico material disponibilizado no portal Metahistory.org, onde podemos encontrar um grande volume de informações atualizadas sobre o Gnosticismo, mas com uma ressalva, na visão inovadora, revolucionária, heterodoxa e conspiratória apresentada por Lash.
Apesar de não estar de acordo com muitos aspectos da abordagem de Lash ao Gnosticismo, é impossível negar a originalidade do seu pensamento e seu poder questionador.
Outro aspecto marcante do Metahistory, é o esforço de desconstruir muitas das crenças religiosas arraigadas na psique coletiva ocidental, indicando um caminho crítico que estimula o discernimento e a inteligência do coração.
A seguir, um provocativo artigo de Lash, disponibilizado aos leitores do blog como um convite irrecusável para uma reflexão madura deste fenômeno cultural chamado Matrix.
Apesar do artigo não analisar o último capítulo da trilogia, gerando algumas lacunas interpretativas fundamentais para uma compreensão mais fidedigna da mensagem final intencionada pelos criadores da série, seus insights originais são relevantes para avaliar as profundas implicações da obra cinematográfica para os nossos tempos de transição planetária.
Aos interessados em um estudo mais detalhado sobre o assunto, recomendo o material sugerida como leitura complementar, em especial, para as cenas de desfecho da trilogia, a interpretação feita por Ken Wilber.
Na próxima postagem, daremos continuidade a esta incursão no universo mítico de Matrix.
"Você é a praga": Uma revisão de Matrix, o filme
Por John Lash
Na cena definitiva em Matrix (1999), o Agente Smith, uma entidade fria e sinistra do mundo simulado por computador que é a Matrix, diz a Morpheus, líder do grupo rebelde que escapou: "Os seres humanos são uma doença , um câncer neste planeta. Você é a praga e nós somos ... a cura."
Neste diálogo, o agente Smith fala como representante do seu criador: o poder da IA, inteligência artificial. Em outra cena em que Morpheus inicia Neo, um novo recruta para a equipe rebelde, ele diz: "Através da embriaguez ofuscante da soberba, ficamos maravilhados com nossa magnificência ao dar à luz a IA". Esta frase encapsula a atitude de muitos tecnocratas que acreditam que a ciência da computação avançada produzirá milagres surpreendentes de um tipo benéfico. A confiança nas possibilidades milagrosas da IA é uma das várias crenças tecnocráticas em jogo no enredo complexo da trilogia Matrix. Morpheus explica a Neo, o que ele sabe da Matrix, que, em algum momento no início do século XXI, estourou a guerra entre a humanidade e uma raça de máquinas gerada pela tecnologia avançada da IA, ela mesma produto das mentes humanas. Assim, a humanidade, em vez de usar a IA para criar um novo mundo, tornou-se escravizada à sua própria invenção.
Na trilogia Matrix, o conflito central está entre o poder mental dos seres humanos e os poderes imitadores da mente da IA.
Nota: Todas as citações são de The Shooting Script: The Matrix by Larry e Andy Wachowski, Newmarket Press, Nova York, 2001.
Homens versus máquinas
O Agente Smith, que não é uma simulação de um ser humano real, mas uma réplica humana perfeita inventada por IA, representa as Máquinas que se rebelaram contra seus inventores (este tema não é novo, é claro, ele desempenha um papel central no 2001: Uma Odisséia no Espaço de Stanley Kubrick, escrito por Arthur C. Clarke, em que um computador superinteligente HAL se revolta contra seus criadores e seqüestra uma missão interplanetária). As máquinas figuram como horríveis insetos gigantescos, representados com carapaças eretas, tentáculos de polvo e sensores de alta tecnologia, que pululam como gafanhotos sobre a superfície da terra. O planeta foi destruído por uma guerra nuclear, a atmosfera mergulhada na escuridão perpétua.
A grande maioria dos seres humanos já não nascem naturalmente, mas são criados em enormes incubadores onde são colhidos pelas Máquinas a quem fornecem energia bioelétrica. Cada corpo individual de um ser humano vivo está em estado de coma, imerso em um gel viscoso e conectado de forma grosseira por cabos coaxiais a um computador não visto que simula um mundo semelhante à vida urbana comum no final do século XX. Neo, que é o "Um" predestinado a libertar a humanidade da ilusão de viver num mundo real, deve primeiro perceber que o mundo do qual foi extraído, e que ele tomou como totalmente real, é "uma simulação neural-interativa que nós chamamos de Matrix.
A Matrix foi filmada em Sydney, Austrália, uma cidade que se parece com qualquer outra. No início, o espectador desconhece que as cenas que ocorrem nesta configuração não são eventos do mundo real, mas simulações. Nesta replicação perfeita da vida urbana ordinária, uma mensagem aparece na tela do computador de Neo dizendo-lhe, "a matrix tem você." No momento em que lemos estas palavras, nós, os espectadores também estamos presos na mesma ilusão.
O filme engana o espectador, fazendo-o acreditar que o mundo simulado na Matrix é real, ao invés de acreditar que é possível acordar dentro da simulação, como se faz em um sonho lúcido. A busca heróica de Neo consiste em perceber, quando ele está na Matrix, que ele tem o poder de dominá-la através de sua própria mente. Para este fim, Morpheus e sua equipe de rebeldes, que resgataram Neo da simulação, voltam voluntariamente com ele à Matrix para que eles possam testar seus poderes mentais humanos contra a IA que impulsiona a simulação. Muitas cenas do filme se desenrolam como se os personagens estivessem funcionando em um videogame.
Na equipe está Trinity, o interesse amoroso de Neo, que desempenha um papel decisivo na sua batalha final para superar os poderes ilusórios da Matrix. O romance de Neo e Trinity carrega a crença de que o amor entre dois humanos é necessário se um deles quer encontrar a força interior para dominar a Matrix. Embora os atores que interpretam esses dois amantes são quase totalmente desprovidos de emoção, este ângulo romântico é talvez a debilidade mais evidente do filme.
Além da Simulação
Os rebeldes que se libertaram da Matrix não têm a opção de voltar a viver na superfície do planeta - embora esta opção possa (eu suspeito) surgir na terceira e última parte da trilogia, Matrix Revolutions, que será lançada em novembro de 2003. A vida em Zion é retratada no segundo filme como uma cena de delírio do submundo povoado principalmente por povos de cor nativa com o glamour tribal elevado. Os amantes de lírios brancos, Neo e Trinity, interpretados por Keanu Reeves e Carrie-Anne Moss, andam por aí usando casacos compridos super-brilhantes parecendo jesuítas com roupas de couro criadas por Armani. Quase ninguém sorri exceto os Agentes sinistros e Cypher, o traidor.
No primeiro filme, a Matrix simula um cenário urbano moderno com poucos vestígios do mundo natural. Na sequência, algumas cenas de natureza simulada são mostradas. Presumivelmente, se você quiser ir esquiar nos Alpes da Matrix, o mainframe irá baixar o programa necessário para o seu córtex e você terá toda a experiência exatamente como se fosse real. (No segundo filme, Neo consegue penetrar no mainframe onde ele encontra uma figura simulada que afirma ser o criador da Matrix). Isso lembra como a RV, realidade virtual, deve funcionar de acordo com a visão profética de muitos tecnófilos da atualidade. Cativos da Matrix podem desfrutar de simulações da natureza e nunca saber o que realmente está faltando. Teoricamente, os fugitivos da Matriz poderiam retornar à natureza, mas não há motivação para fazê-lo se o mundo natural foi devastado, ou tornado quase inviável. As máquinas não exigem as mesmas condições de sobrevivência necessárias para a espécie humana na superfície do planeta: oxigênio para respirar, por exemplo. De acordo com o Agente Smith, essas Máquinas consideram a raça humana algo como um vírus, uma praga para a qual a IA é a cura.
O Agente Smith diz a Morpheus: "Eu gostaria de compartilhar uma revelação que tive durante meu tempo aqui. Veio a mim quando tentei classificar sua espécie. Percebi que vocês não são realmente mamíferos. Cada mamífero neste planeta desenvolve instintivamente um equilíbrio natural com o ambiente circundante. Mas vocês, os seres humanos não. Vocês se movem para uma área e se multiplicam até que cada recurso natural é consumido e a única maneira que vocês têm para sobreviver é se espalhar para outra área. Há outro organismo neste planeta que segue o mesmo padrão.Você sabe qual é? Um vírus". Esta é talvez o argumento mais contundente do primeiro filme. Neste ponto, o enredo sugere uma reflexão para o público: nós, a espécie humana, não nos comportamos como mamíferos comuns, e assim poderíamos perder permanentemente o nosso lugar na natureza. Em vez de habitarmos o mundo natural, o infestamos como uma praga.
Em busca da realidade
A cena onde o Agente Smith diz a Morpheus: "Você é a praga", ocorre na Matrix em si, isto é, num cenário simulado de realidade virtual (RV). Esta cena contém alguns dos momentos mais profundos do filme. (Deve ser dito, há um monte de diálogos fantásticos na Matrix - na primeira parte, a princípio.) Demora algum tempo de elucubração mental durante e após o filme para perceber que Agentes como Smith são réplicas humanas sem homólogos humanos. Eles não estão ligados aos verdadeiros seres humanos mantidos em cativeiro nos tanques de retenção, mas são construções puras de IA, como Lara Croft e outros "avatares" de videogames. Como tal, eles são investidos com poder sobre-humano: Agentes podem matar réplicas humanas na Matrix, e quando o fazem, o corpo humano real ligado à réplica morre. Os seres humanos que aparecem na Matrix, incluindo pessoas comuns na rua, bem como os fugitivos rebeldes, todos têm seus duplos corporais fora dela. A diferença é que os rebeldes vivem como seres livres no mundo real, mas devastado além da Matrix, conscientes de que a Matrix é uma ilusão, mas todos os outros seres humanos que parecem viver normalmente na Matrix são cegos à ilusão.
Obviamente, este cenário de dois mundos tem um tremendo impacto na imaginação humana. A noção de que habitamos um mundo que de alguma forma não é real é extremamente atraente para uma sociedade dominada pela propaganda, entretenimento, ficções governamentais e magia tecnológica sem restrições. A trilogia Matrix foi chamada o primeiro filme de ação sci-fi para intelectuais. Seus criadores, os irmãos Wachowski, foram inspirados pelos conceitos do sociólogo francês Jean Baudrillard que escreveu extensivamente sobre "simulação". Material na Internet dedicado às teorias de Baudrillard, como representado nos filmes, é encontrado em centenas de páginas. Os Wachowskis reconhecem Baudrillard como uma grande influência ao inserir um sinal visual de um de seus livros, Simulação e Simulacro, na cena de abertura do primeiro filme. Na verdade, Baudrillard esbravejou veementemente em relação à Matrix. Ele disse que "nenhum filme pode explorar completamente suas idéias e que as tentativas em fazê-lo são mal-sucedidas e equivocadas". (Taking the Red Pill, editado por Glenn Yeffeth, página 290)
Não podemos afirmar se os filmes Matrix refletem ou não de forma exata as noções recônditas de Baudrillard, mas uma coisa é certa, eles conseguem brilhantemente apresentar uma extravagância de efeitos especiais para demonstrar o feitiço da simulação. Mas o efeito final deste espetáculo é ambíguo. Se a mensagem aqui é "vamos ser reais" e acordar da Matrix, ou seja, o mundo artificialmente simulado da tecnologia eletrônica em que a espécie humana está rapidamente se auto-enclausurando, então a questão permanece: "Para que despertar?". A vida dos fugitivos rebeldes desdobra-se inteiramente na nave de Morpheus, o Nabucodonosor, que navega continuamente através de enormes túneis de esgotos sombrios nos subterrâneos da Terra. Os rebeldes falam de um lugar chamado Zion, o último refúgio para a humanidade, em algum lugar no interior do planeta, mas Zion nunca é mostrado no primeiro filme. A vida dos rebeldes a bordo de suas naves espaciais é qualquer coisa menos quente e confortável. Um deles, Cypher, interpreta uma figura de Judas que prefere retornar à Matrix. Ele fecha um acordo com o Agente Smith que promete, quando Cypher for reinserido no mainframe da simulação, que terá uma vida de "alguém importante, como um ator".
Este é um jogo inteligente sobre o tema da simulação, mas é um jogo cínico. Há infinitos prazeres na Matrix, todas as gratificações sensoriais e materiais prometidas pelo mundo moderno. Cansado do lado difícil de ser real, Cypher aspira a ser um ator em uma ilusão, uma simulação ao quadrado. As opções do filme são rígidas: aceitar a ilusão proporcionada pela IA, mascarar uma realidade horrível, ou aceitar as dificuldades de viver em um mundo devastado pelo conflito entre a humanidade e IA. Milhares de páginas de comentários sobre a Matrix foram publicadas na Internet, e vários livros dedicam-se à análise aprofundada da trama e suas ramificações metafísicas. Contudo, todo este escrutínio não coloca uma questão essencial: qual é o destino do mundo natural, o habitat original da espécie humana?
Nas palavras sinistras do Agente Smith, a voz da IA condena a espécie humana pelo seu consumo avassalador de recursos naturais e seu acarinhado hábito de sobre-produzir. Esses comportamentos são incompatíveis com a inteligência dos mamíferos e eles devastam o mundo natural, como todos sabemos tão bem, mas nossa obsessão o com a IA também é parte desta síndrome auto-destrutiva. Na verdade, pode representar a fase final. Alguns escritores de ficção científica escrevem em suas histórias a crença de que nossa espécie desenvolveu IA para que possamos fazer o nosso "download no hardware" e, assim, eliminar-nos como seres humanos perecíveis. Poder-se-ia dizer que a IA é um meio para acabar com a narrativa humana. A Matrix carrega essa crença para seu desfecho final: não haverá vida humana além ou à parte da simulação produzida pelas Máquinas, a ciber-espécie não-humana.
A mensagem positiva dos filmes Matrix é que se nós, como indivíduos, despertarmos para a simulação em que vivemos, podemos dominá-la por meios espirituais, pelo esforço da força de vontade e controle da mente. No final do primeiro filme, Neo usa tais poderes para aniquilar o Agente Smith. O herói exibe habilidades sobre-humanas na Matrix, mas ele permanece inteiramente humano em sua existência extra-Matrix. (Durante suas intervenções na Matrix, os rebeldes aparecem como réplicas humanas, mas permanecem em seus corpos físicos humanos a bordo do Nabucodonosor, amarrados em cadeiras reclináveis e temporariamente conectados à Matrix para que eles possam acessá-la e subvertê-la. Na Matrix, eles realmente podem morrer em forma física, como um sonhador morto em um pesadelo que realmente morre na cama.)
O triunfo de Neo sobre os Agentes é uma resolução mágica com uma ampla gama de possibilidades fascinantes. Lembra a prática esotérica de desenvolver siddhis, faculdades mágicas possuídas por yogis, mestres Zen e monges guerreiros budistas. Permanecer como um ser humano liberado e, ao mesmo tempo, penetrar à vontade na Matriz é, em si, uma façanha oculta da mais alta ordem: a bilocação. (A bilocação física total não é uma mera fantasia, os casos reais são atestados. Ver Supernature por Lyall Watson, na leitura de orientação para Metahistory) Uma espécie de bilocação ocorre espontaneamente em experiências fora do corpo, bem como em sonhos lúcidos, quando alguém acorda em um sonho sabendo que está dormindo simultaneamente na cama.
Enfrentando os arcontes
O caminho para além da Matrix continua em aberto. Os escritos efusivos e amplamente impenetráveis de Baudrillard sobre simulação, podem indicar algo, mas isso tudo pode ser apenas mais uma trilha enganosa, pois há outra maneira, talvez uma maneira melhor, de explicar o que está acontecendo na Matrix. Em um longo artigo intitulado "Gnosticism Reborn: The Matrix As Shamanic Journey", o autor Jake Horsely considera a possibilidade dos filmes Matrix refletirem o mito gnóstico dos Arcontes, entidades alienígenas que tentam enganar a humanidade através da simulação de seus pensamentos e comportamentos. Embora Horsley mergulhe na mitologia gnóstica apenas superficialmente, e não menciona os arcontes, exceto em uma nota de rodapé, seu ensaio introduz uma perspectiva inteiramente nova sobre o enredo da trilogia Matrix.
(Ensaio de Horsely aparece em vários lugares na Internet. Estou citando o de http://www.mindmined.com)
Gnosticismo é o nome que os historiadores dão à fase final de uma vasta tradição de espiritualidade pagã que veio a ser condenada como heresia quando o cristianismo subiu ao poder. Até a descoberta dos documentos de Nag Hammadi, em 1945, quase nada era conhecido dos principais ensinamentos do Gnosticismo. A palavra gnóstico significa simplesmente "alguém que sabe", mas carrega a implicação de um insight especial que penetra no núcleo oculto da experiência humana. Certos gnósticos ensinaram que os seres humanos são desviados do seu próprio curso de evolução por uma espécie bizarra de seres inorgânicos que habitam o sistema solar além da terra, e chamou esta espécie de Arcontes. A palavra grega archon significa "autoridade", e os arcontes às vezes são chamados de "Autoridades". Na Matrix, os agentes são as autoridades que policiam o mundo simulado à procura de réplicas humanas como Neo que mostram sinais de despertar para o esquema. Horsely explica a idéia gnóstica de que os Arcontes tentam impor "um programa de controle da mente, ou escravidão da alma para manter a humanidade distraída por problemas e preocupações materiais, aprisionada por seu próprio medo da morte, da mortalidade e ignorante de sua verdadeira natureza divina".
Uma perspectiva gnóstica sugere assim que o cenário Matrix apresenta uma versão ciberpunk de um verdadeiro dilema espiritual, um desafio genuíno e assustador que enfrenta a humanidade, talvez seu desafio final. Em seus avisos sobre o engano perpetrado pelos arcontes, os gnósticos podem ter previsto os riscos da IA dois mil anos antes de surgir. No entanto, a maneira como os Arcontes operam, sua estratégia de simulação, por assim dizer, como descrita em certos textos gnósticos, não envolve dispositivos tecnológicos avançados, mas ideologia religiosa. De acordo com os textos gnósticos, o desvio arcôntico da espécie humana é uma forma de modificação do comportamento de massa obtida pela conformidade cega a certas crenças religiosas falsas, como a crença na salvação de uma condição pecaminosa pela Intervenção de Deus ou de um único representante de Deus. Em suma, os gnósticos rejeitaram a ideologia salvacionista comum ao judaísmo e à cristandade (e depois, após a sua extinção, pelo islamismo).
Sabe-se que as idéias gnósticas influenciaram profundamente Philip K. Dick, amplamente considerado como o maior escritor de ficção científica do século XX. Certamente o Gnosticismo apresenta crenças teológicas e cosmológicas como se conspiradas em um romance de ficção científica. Esta caracterização de idéias gnósticas é sugerida pelo erudito Richard Smith no anexo à biblioteca de Nag Hammadi em inglês: "Os motivos gnósticos foram identificados nesse que é considerado o mais visionário de todos os nossos gêneros literários modernos, a ficção científica ... Nos romances de ficção científica do prolífico escritor Philip K. Dick ... O gnosticismo é empregado conscientemente "(p.546). Em Valis e outras obras, Dick desenvolveu a idéia de que os seres humanos vivem em um "holograma de dois mundos", parte do qual é genuinamente real e parte do qual é a projeção enganosa de uma mentalidade alienígena que distorce nossa humanidade. Esse modelo esquizofrênico é consistente com os mitos gnósticos.
Com os arcontes enfrentamos uma invasão alienígena nas profundezas de nossas próprias mentes.
Escapando da Matrix
Tratada como uma heresia em seu tempo e ainda considerada como tal pela Igreja Católica, o gnosticismo tem sido amplamente deturpado, mesmo por aqueles que pretendem defendê-lo. Em particular, há uma enorme desinformação em torno das visões gnósticas sobre a realidade e o valor do mundo físico. Muitos estudiosos declaram que os gnósticos "condenavam a matéria" e consideravam o mundo natural como mal, puramente um produto da decepção arcôntica. No entanto, algumas vozes dissidentes argumentam que os gnósticos rejeitaram, não o mundo físico per se, mas nossa percepção distorcida dele. Este ponto de vista confirma a insinuante visão do Agente Smith: o comportamento da espécie humana é inconsistente com a atividade de mamíferos sãos. Poderia ser a percepção distorcida da natureza que nos faz agir como uma praga na Terra?
De acordo com o contemporâneo revivalista gnóstico Stephen Hoeller, "os gnósticos não rejeitaram necessariamente a terra real, que eles reconheceram como uma tela sobre a qual o Demiurgo (chefe dos arcontes) projeta um sistema enganoso. Na medida em que encontramos uma condenação do Mundo nos escritos gnósticos, o termo usado é inevitavelmente kosmos ... e nunca a palavra ge (terra), que eles consideravam neutra, senão totalmente boa" (The Gnostic Jung, p.15). Cosmos no grego antigo não significava o mundo natural ou o universo físico em geral. Significava "sistema", lembrando o uso dessa palavra na terminologia da computação: "sistema operacional". É talvez uma coincidência significativa que a palavra copta para simulação encontrada em textos gnósticos é hal, lembrando HAL o computador rebelde de Kubrick e Clarke no "2001".
Muito poderia ser dito sobre os elementos gnósticos de Matrix, mas um ponto é central. A decepção dos Arcontes descritos nos escritos gnósticos é precisamente o que se manifesta na "simulação neural-interativa que chamamos Matrix" (as palavras são de Morpheus). Mas se for esse o caso, como é que a simulação que ameaça absorver a humanidade é tecnológica e não ideológica, como os gnósticos acreditavam ser? A resposta pode ser que a aquisição tecnológica da nossa espécie foi realmente preparada com muito tempo de antemão por desvios ideológicos em nossos sistemas de crenças religiosas, especialmente as crenças religiosas que determinam nossa resposta ao mundo natural. Isso implica uma profunda intrusão no território psíquico da humanidade, mas é totalmente coerente com o argumento gnóstico de que a ideologia religiosa errônea é um tipo de vírus insinuado na mente humana por uma inteligência alienígena, uma espécie não humana comparável às Máquinas de Matrix.
Jake Horsley é uma das poucas pessoas escrevendo sobre a Matrix que se perguntou: "Onde está a glória da natureza em Matrix?" Ele observou que "eu não acredito que eu vi uma única árvore durante todo o filme." Esta observação nos remete à questão central, aqui reformulada: Se fugir do mundo simulado da Matrix não nos levaria de volta ao mundo natural onde nós, como espécie, temos nossa origem, para onde nos levaria?
Aludindo ao poeta romântico William Blake, Horsely compara a busca heróica de Neo na Matrix com a "libertação de Blake da percepção na Imaginação". Resta saber se a imaginação dos criadores da trilogia Matrix está à altura deste alto padrão de realização. Seja qual for o caso, esta história cinematográfica nos desafia a sair do feitiço tecnológico feroz da simulação e recuperar nossa humanidade através da realização de nossos poderes imaginativos. Os gnósticos mantinham a imaginação como parte de nosso dom divino, o que nos distingue de outros mamíferos.
Nós somos a praga, com certeza, mas, também não seríamos a cura para o que nos aflige?
Nota do Tradutor: O texto foi adaptado e revisado a partir da versão preliminar fornecida pelo Google Tradutor (translate.google.com.br).
Nota do Tradutor: O texto foi adaptado e revisado a partir da versão preliminar fornecida pelo Google Tradutor (translate.google.com.br).
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