Por L.C. Dias
"Eu sigo uma grande regra: todo mundo está certo. Mais especificamente, todo mundo – inclusive eu – possui alguns importantes pedaços da verdade, e todos precisam ser honrados, valorizados e incluídos em um abraço gracioso, espaçoso e compassivo."
Ken Wilber
Quando me deparo com as acaloradas disputas ideológicas - sejam políticas ou religiosas - sempre recordo da famosa parábola hindu dos cegos e do elefante que retrata tão bem a ilusão daqueles que reivindicam a exclusividade da sua verdade.
Das várias versões existentes da parábola - tanto antigas quanto modernas - gosto desta versão resumida:
"Sete sábios discutiam qual deles conhecia, realmente, a verdade. O rei, igualmente sábio, aproximou-se e indagou o motivo da discussão:
– Estamos tentando descobrir qual de nós é dono da verdade.
Ao escutar isso, o rei pediu a um de seus servos que levasse sete cegos e um elefante até o seu palácio. Quando chegaram o rei mandou chamar os sete sábios e pediu-lhes que observassem o que aconteceria a seguir. Pediu, então, aos cegos que tocassem o elefante e o descrevessem, um de cada vez.
O primeiro cego tocou a tromba do elefante e disse: - É comprido, parece uma serpente.
O segundo tocou-o no dente e disse: - É duro, parece uma pedra.
O terceiro segurou-lhe o rabo e disse: - É cheio de cordinhas.
O quarto pegou na orelha e disse: - Parece um couro bem grosso.
E assim, sucessivamente, cada cego descreveu o elefante de acordo com a parte que estava tocando. Quando todos terminaram de descrever o animal, o rei perguntou aos sete sábios:
– Algum desses cegos mentiu?
– Não! – Responderam os sábios em coro – Todos falaram a verdade.
Então, o rei perguntou: – Mas algum deles disse realmente o que é um elefante?
– Não, nenhum cego disse o que é um elefante, mesmo porque cada um tocou apenas uma parte da criatura – disse um dos sábios.
E o rei disse: – Vocês, sábios, que vivem discutindo quem é dono da verdade, parecem cegos. Todos acreditam estar com a verdade, mas, como os sete cegos, cada um se refere apenas a uma parte dela – disse o sábio rei, concluindo: – Ninguém é dono da Verdade, porque ninguém a detém por inteiro. Somos donos apenas de parte da verdade”.
Os “muitos lados da verdade“, ou o pluralismo ou não-absolutismo de uma visão da verdade, é um dos ensinamentos centrais do sábio indiano Mahavira (599–527 AC), um dos seres iluminados do Jainismo, uma das religiões mais antigas da Índia. Uma das maneiras que esse conceito foi difundido foi através da conhecida parábola dos cegos e do elefante, que é atribuída originalmente à cultura Jaina (outras vezes ao Budismo e ainda outras ao Sufismo), e que há dois séculos se tornou popular no ocidente no poema do americano John Godfrey Saxe (1816-1887) — “Os Cegos e o Elefante“. (1)
Este ensinamento milenar foi a provável fonte de inspiração para o filósofo estadunidense Ken Wilber e sua Filosofia Integral:
"Não acredito que a mente humana seja capaz de errar cem por cento. Assim, ao invés de questionar qual abordagem está certa e qual está errada, assumo que cada abordagem é verdadeira, mas parcial, e, então, tento visualizar como encaixar essas verdades parciais, como integrá-las – não escolher uma e livrar-me das outras." (2)
Vejamos como Jack Crittenden apresenta esta visão inovadora proposta por Wilber:
“A abordagem de Wilber é o oposto do ecletismo. Ele apresenta uma visão coerente e consistente que interliga harmoniosamente afirmações-de-conhecimento de campos como a física e a biologia; as ecociências; a teoria do caos e as ciências sistêmicas; a medicina, a neurofisiologia, a bioquímica; a arte, a poesia e a estética em geral; a psicologia do desenvolvimento e um espectro de esforços psicoterapêuticos, de Freud a Jung a Piaget; os teóricos da Grande Cadeia, de Platão e Plotino no ocidente a Shankara e Nagarjuna no oriente; os modernistas, de Descartes e Locke a Kant; os idealistas, de Schelling a Hegel; os pós-modernistas, de Foucault e Derrida a Taylor e Habermas; as principais tradições hermenêuticas, Dilthey a Heidegger a Gadamer; os teóricos de sistemas sociais, de Comte e Marx a Parsons e Luthmann; as escolas contemplativas e místicas das grandes tradições de meditação, orientais e ocidentais, das principais religiões do mundo. Tudo isso é apenas uma amostra. Há, então, alguma surpresa no fato de que aqueles que focalizam, de maneira estreita, um campo particular do conhecimento possam sentir-se ofendidos por seu campo não ser apresentado como o eixo do Kosmos?” (3)
E conclui a sua breve exposição da seguinte forma:
“Assim, Wilber está nos ajudando exatamente nesta tarefa; ele está nos dando um padrão que relaciona tudo da vida, do Kosmos, do Espírito. Seu trabalho vale como um guia para os segredos da vida – biológica, social, cultural e espiritual. Como vocês verão amplamente mostrado nas próximas páginas, ele nos desenhou um mapa detalhado, uma visão integral para o mundo moderno e pós-moderno, uma visão que unifica o melhor da sabedoria antiga e o melhor do conhecimento moderno. Através deste verdadeiramente extraordinário trabalho, ele nos encoraja a continuar nosso próprio trabalho – a jornada vivencial para a totalidade que nenhum de nós pode evitar mas que, até o surgimento desta visão integral, poucos podiam compreender completamente.” (4)
Entretanto, apesar do inestimável esforço empreendido por Wilber em integrar as diversas áreas do saber humano de uma forma que harmonize e valorize cada “parte da verdade” através da sua abordagem integral, a mensagem atemporal veiculada na parábola "Os Cegos e o Elefante” continua a reverberar em nossas mentes como um alerta:
“Vocês, sábios, que vivem discutindo quem é dono da verdade, parecem cegos. Todos acreditam estar com a verdade, mas, como os sete cegos, cada um se refere apenas a uma parte dela. Ninguém é dono da Verdade, porque ninguém a detém por inteiro. Somos donos apenas de parte da verdade”.
NOTAS:
(3) Ibidem n.2
(4) Ibidem n.2
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